Adorável Vizinhança (7)


No dia seguinte, deixou novamente a esposa no trabalho dela e se dirigiu até o seu. Foi logo até a sala do chefe e perguntou se poderia pegar uma folga naquela tarde para resolver seus problemas pessoais. O chefe concordou sem maiores empecilhos e ainda pediu para ele se cuidar. Durante toda a manhã, sempre que cruzava olhares com o colega da arma, trocavam expressões confidentes. Saiu para o almoço confiante e nem comeu nada. Seguiu direto para sua casa, onde tinha contas a acertar com o seu vizinho.

Chegou na garagem e estacionou sem se preocupar com o silêncio. Abriu a porta da casa e pegou um desinfetante para limpar o enorme X de sangue ali marcado. Quando voltou o vizinho já estava na calçada. Se olharam decididos. O vizinhou o saldou dizendo “olha só quem está aqui, meu vizinho querido! Se lembra que temos umas contas para acertar”, enquanto começou a andar em sua direção. O homem disse que sim, que tinham muita coisa para resolver e sacou a arma. O vizinho não retrocedeu um milímetro e seguiu avançando, enquanto proferia as mais variadas ofensas. O homem então apontou a arma, o que em sua cabeça era o limite máximo ao qual ele chegaria, aquilo demonstraria que ele estava pronto para tudo e que o vizinho não iria mais o importuná-lo. No entanto, o vizinho seguiu andando e disse “vai atirar? Pode atirar. Você não tem coragem seu merda”. E seguiu gritando para que ele atirasse. Por um segundo o homem viu as janelas das outras casas abertas e pensou que tudo estava sendo filmado, que ele acabaria em vídeos do youtube e nas manchetes das páginas policiais. Para o bem ou para o mal. Se fosse para aparecer, que pelo menos ele não fosse a vítima, não fosse ele o humilhado.

O vizinho seguia pedindo para que ele atirasse, enquanto se aproximava e então tudo se borrou, a raiva o deixou cego e sua mente foi ocupada por uma série de memórias desconexas e pensamentos ruins. Seu rosto se aqueceu e ele começou a pressionar o gatilho com a convicção que ele nunca teve em sua vida. Até que um grito pediu para que ele não atirasse.

Tudo então se passou muito rapidamente. Antes que ele pudesse perceber uma equipe de TV já estava em sua frente e um famoso apresentador de programas vespertinos, sorridente, começou a falar da loucura da situação. Quando percebeu, o vizinho já estava abraçado a ele, ao homem, sorrindo como se fossem velhos amigos, enquanto o apresentador informava que ele havia acabado de participar do novo quadro “meu vizinho é uma peça” e que a rotina dele foi acompanhada ao longo dos últimos meses, apontou as câmeras escondidas, elogiou sua paciência e uma multidão de curiosos começou a se aglomerar em frente a casa. Pessoas sorridentes comentavam a situação e falavam que tudo foi incrível, enquanto o apresentador anunciava os patrocinadores e falava dos prêmios que os participantes levariam pelo tempo suportado no programa. Reforma na casa, viagem para o exterior, dinheiro na conta. O homem seguiu atordoado com todas aquelas informações, os flashes e os sorrisos se misturavam as lembranças do seu sofrimento nos últimos meses e seu rosto se aqueceu novamente. Com a arma ainda em suas mãos, ele mudou a mira do revólver e decidiu que sua desgraça não seria um espetáculo televisionado.

(fim)

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