Adorável Vizinhança (5)


Os dias seguintes foram de uma paz estranha e o silêncio parecia uma novidade para o casal. Nesses dias ele ficou sabendo nos sites de notícias que um homem havia espancado sua esposa após uma briga em condomínio de alta classe da cidade. Ambos estavam bêbados e ela, grávida, perdeu a criança. O motivo teria sido uma discussão tola sobre uma garrafa em cima da mesa. Ela ficou com escoriações pelo corpo e teve um pedaço da orelha decepado pela garrafa quebrada em sua cabeça. Uma cena brutal, ocorrida bem do nosso lado, comentou o homem com sua esposa. Aquilo não parecia verdade. Mas, de todo modo, a verdade é que eles dormiam novamente e não precisavam recolher fezes no jardim em manhãs dispersas. Também comentou com a mulher que foi bom não ter mexido com eles, olha só do que eles seriam capazes de fazer.

Apenas no fim de semana seguinte é que eles escutaram algumas movimentações na casa dos vizinhos e pensaram que estavam buscando alguma coisa. Ficaram perplexos quando por volta das sete horas da noite a música começou a tocar. Será que eles tinham lido notícias erradas e na verdade os vizinhos tinham ido apenas participar de uma festa a fantasia e depois viajaram? Enquanto o homem ia para a porta da casa para buscar uma pizza pedida pelo telefone, viu as visitas chegando na casa vizinha. Viu pelo canto do olho a mulher do vizinho recebendo a todos, de óculos escuros em plena noite e com um lenço enrolado na cabeça, escondendo as orelhas. A imagem foi tão impactante que ele acabou por olhar a vizinha um pouco fixamente. Pensou por um segundo que ela havia voltado para casa sozinha e que estava recebendo amigos para mostrar que estava tudo normal. A ilusão acabou no momento seguinte, quando o vizinho apareceu por trás dela sorridente e cumprimentando as visitas. Seu rosto se fechou no momento em que olhou para o homem, que esperava a confirmação do pagamento na máquina de cartão da pizzaria. Ele se sentiu tão desconcertado que se virou rapidamente para o motoboy e o tempo para que o papel de confirmação fosse impresso durou uma eternidade. Voltou para dentro da casa com o passo rápido e sem olhar para os lados. Não comentou nada com a mulher. Pensou que o vizinho pudesse ter ficado com ciúme dele olhando para a vizinha, ou que o estivesse recriminando por olhar fixamente para sua mulher naquela situação fragilizada. Mal sentiu o gosto da pista e passou a noite inteira com os olhos do vizinho lhe mirando em seus sonhos.

O homem ia trabalhar na segunda-feira de manhã, abriu a porta do carro e percebeu que esqueceu o celular. Voltou para dentro de casa, deixando o carro ligado. Ao voltar, se deparou com o vizinho que parecia a sua espera. Disse um robótico “olá, tudo bem”, para o vizinho que se aproximou e estendeu a mão para um cumprimento, sem dizer nada. Sua mão foi segura firmemente e o vizinho não a soltou. Apenas disse “eu não te avisei que não era pra levar essas coisas pra fora”. O homem nada respondeu, assustado. O vizinho continuou dizendo que aquilo era um assunto dele, mas que agora eles teriam que resolver entre eles aquela situação. O homem disse que não falou nada, que tudo o que sabia havia lido no jornal. O vizinho disse que ele era um mentiroso filho da puta e o homem se desvencilhou para entrar logo no carro. Arrancou com certa rapidez, enquanto o vizinho rosnava de raiva.

Dirigiu aflito pelo trânsito e a todo momento olhava pelo retrovisor como se temesse ser seguido. Chegou ao trabalho e desceu rapidamente do carro. Caminhou rapidamente, como se a qualquer momento pudesse ser atingido por algo ou interpelado por alguém. Mandou uma mensagem para sua mulher que disse que eles precisavam fazer alguma coisa. Notando a sua tensão, um amigo do trabalho perguntou o que estava acontecendo e ele, que até então mantinha a história guardada dentro de casa, fez um breve relato de toda a situação. O amigo ficou chocado e disse que ele precisava de algum modo se proteger. Esse cara poderia ser perigoso. O homem sabia disso. Mas seu otimismo o levou a pensar que tudo de alguma forma ainda poderia ser resolvido. De qualquer forma, combinou com a esposa para que aquele que chegasse antes em casa, que esperasse o outro na portaria e que dessa maneira entrassem juntos em casa. Quando chegou no condomínio, a esposa já o esperava.

Chegaram em casa com os faróis apagados e escutaram o som que vinha dos vizinhos, uma música em volume infernal que deveria estar acordando toda a cidade. Desceram rapidamente do carro e ao chegarem na porta perceberam que ela estava marcada com um enorme X vermelho escuro. Observou mais atentamente o sinal e teve a impressão de que aquela marcação foi feita com sangue. Entraram assustados dentro de casa e correram para o quarto. Se trancaram lá dentro e deitaram na cama. As risadas vizinhas pareciam diabólicas. A música era tão alta que era impossível discernir qualquer som. Não dormiram.

Na manhã seguinte, o homem abriu a porta dos fundos e parecia que seu quintal era um cenário de filme de terror. Fezes, garrafas de vidro, sacolas plásticas, frutas podres, algo que parecia a carcaça em decomposição de um animal de médio porte. O cheiro era terrível e ele não sabia nem o que fazer com aquilo tudo. Não tinha condição mental de pensar em mais nada, não sabia mais se estava vivo ou se ele havia morrido e aquilo era na verdade um estágio pós-vida para cumprir penas pelos deslizes de sua existência. De certa forma se convenceu disso. Aquilo ali não poderia ser a vida, aquilo era algo que não existiria na vida, ninguém seria capaz de fazer aquilo que não fosse o próprio demônio.

Saiu junto com a esposa e a deixou no trabalho. Seguiu para o seu labor, amortecido pelos acontecimentos. Passou o dia inteiro em silêncio, o que chamou a atenção de todos os colegas. A curiosidade pelo seu aspecto emocional fez com que pouco a pouco o seu drama começasse a pular de mesa em mesa, por mais que ele ainda não soubesse disso. No fim do dia sentiu que as pessoas olhavam para ele com comiseração, mas não entendeu direito. Pensou que deveria estar realmente muito mau.

(continua)

Comentários