Adorável Vizinhança (4)


A vida seguiu normalmente, desde que você considere normal o contexto de dormir mal cinco noites por semana e acordar quase todo dia tendo que retirar fezes do seu jardim. O desempenho no trabalho era péssimo e a vida sexual praticamente não existia. No entanto, o casal sempre tentava encarar a vida de uma maneira positiva e por isso resolveu que esta era uma boa oportunidade para que eles começassem a fazer viagens no fim de semana e descansar um pouco de toda essa loucura. Assim sendo, eles passaram alguns sábados fora e conheceram cachoeiras e trilhas da região. Por incrível que pareça, de certa forma eles passaram a se sentir revigorados, mesmo no meio de toda essa confusão.

Em um dia, em uma pousada barata próxima a uma região de grutas, o casal conversou seriamente sobre a possibilidade de eles terem um filho. Se sentiram realmente animados com essa hipótese e começaram a planejar datas, nomes e investimentos. O futuro brilhante e feliz de suas vidas ofuscou todos os problemas cotidianos e é justo dizer que eles se sentiram plenamente satisfeitos neste momento.

Um dia, no entanto, ao voltar para casa e ver que os vizinhos já recebiam visitas para uma festa, o homem percebeu que uma das visitantes parabenizava a vizinha e acariciava sua barriga, ligeiramente saliente. A vizinha sorria com os olhos e o homem pode entender o que havia acontecido. Em um primeiro momento ele se sentiu levemente comovido, pensando que os vizinhos, afinal, como ele ainda pensava em algum canto escondido de seu cérebro, não eram as piores pessoas do mundo, até iriam ter filhos. No instante seguido uma enorme depressão se abateu sobre ele.

Entrou em casa e contou a novidade para a esposa, que em um primeiro momento soltou um que legal, com um misto de espanto e felicidade genuína, daquelas que por vezes nos acometem quando sabemos da fortuna alheia. O marido, pesaroso no entanto, falou para a esposa que aquilo significava que eles não poderiam ter filhos, não naquele exato momento. A esposa não entendeu de imediato e ele passou a explicar a situação. O filho deles não poderia jamais conviver com o filho daqueles vizinhos. Certamente a criança iria apanhar do pequeno marginal que aqueles dois iriam criar. Iria sofrer bullying e talvez na adolescência passasse por torturas, estupros, enfim. Também seria apresentado as drogas e poderia ser levado a praticar pequenos ou grandes delitos com o apoio do filho dos vizinhos. Se eles fossem de sexos opostos, poderia ocorrer a desgraça de os dois se envolverem sexualmente, o que faria com que, além de viverem lado-a-lado, eles tivessem que conviver com os vizinhos, o que parecia ser o pior dos mundos. A esposa entendeu e compreendeu os argumentos e chegou a derramar uma lágrima pensando na pobre vida que seu filho nem sequer poderia ser concebido. Chegaram a conclusão de que era melhor não ter filhos agora. Talvez, fosse melhor não ter filhos nunca, para que suas descendências não tivessem que sofrer num mundo coabitado pela família do vizinho. Sentiram-se amargurados, mas desistiram de procriar momentaneamente, talvez definitivamente.

Seguiram fazendo pequenas viagens e quando o orçamento ou o tempo não permitiam, saiam para jantar nos sábados. Conhecerem dezenas de novos restaurantes e ficaram satisfeitos com a vida que levavam. Após um desses jantares, quando voltavam para casa pouco após a meia noite, se depararam com os vizinhos manobrando o carro e saindo. O homem achou estranho em um primeiro momento que eles estivessem indo embora naquele momento, quando geralmente as festas estavam começando a chegar no auge. A esposa, no entanto, percebeu algo de muito estranho. O vizinho estava no carro e ao lado, ao que tudo indicava, havia uma pessoa enrolada em uma toalha, talvez em um lençol. Ela não entendeu nada, mas cogitou que eles talvez tivessem passado por algum problema. Resolveram não aprofundar o assunto e naquela noite, com o silêncio, conseguiram dormir, por mais que o homem tivesse a impressão de que as músicas sertanejas já estivessem, de alguma maneira, impregnadas em seus ouvidos.

Na manhã seguinte, ele aproveitou para fazer alguns reparos na janela da frente da casa, quando um carro da polícia parou em frente a casa dos vizinhos. Não havia ninguém em casa, o que deveria ser um recorde de ausência humana por lá. Quando constataram isso, os policiais chegaram ao homem e começaram a fazer algumas perguntas. Ele disse que estava fora de casa na noite anterior e que portanto não havia percebido nenhum comportamento estranho. Tinha a impressão de que eles não dormiram em casa e que, na noite anterior, os vizinhos estavam saindo de casa no momento em que eles chegavam. Um pouco depois da meia noite. Não havia notado nada de estranho, mas ah, sua esposa havia percebido que a pessoa no banco do passageiro estava enrolada em algo como uma toalha ou um lençol.

Os policiais se deram por satisfeitos e começaram a bater na porta de outras casas da vizinhança. O homem seguiu do lado de fora, fingindo que mexia na janela enquanto escutava as conversas dos policiais e a partir dos interrogatórios, constatou que o casal vizinho havia muito provavelmente brigado, incluindo agressão física. Os policiais ainda entravam no carro quando o homem entrou em casa e contou a novidade para a esposa de maneira confidencial. Os dois ficaram abismados com a notícia, ninguém está acostumado a conviver com episódios de violência, ainda mais violência doméstica, ainda mais em um condomínio de luxo. Mas por dentro, muito por dentro, os dois pareciam um pouco satisfeitos com a notícia. Um pouco como se essa quebra de harmonia no lar vizinho fosse uma espécie de punição divina pela série de abusos que eles cometiam. Pensaram que talvez isso significasse um pouco de paz, porque seja pelo motivo que fosse – separação, prisão, mudança – as festas deveriam acabar e eles poderiam voltar a ter uma vida tranquila.

(continua)

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