Três Experimentos Científicos para o Whatsapp

1) O Grupo do Inferno

“Deixai toda esperança, ó vós que entrais”. A frase que estampa os portões do Inferno de Dante seria o lema deste grupo, constituído basicamente por parentes que repassam correntes de e-mail dos anos 2000 como se fossem atuais, colegas de trabalho que enviam mensagens de bom dia às 05h da manhã, gente que envia áudio de cinco minutos, pessoas que enviam todo e qualquer assunto em lista de transmissão, enfim, pessoas que você não conhece mas que odeia desde já. Talvez seja necessário um grande teste para avaliar quem é que poderia fazer parte deste grupo. Pobres avaliadores.

A ideia é justamente que essas 256 pessoas que formam o grupo não se conheçam e o grupo seria o lugar ideal para eles trocarem ideias e se conhecerem melhor. O que o mundo ganha com isso? Bem, são duas as oportunidades. A primeira e que esse grupo terá um volume de produção de conteúdo tão grande que essas 256 pessoas, quem sabe, não irão conseguir se ocupar de outros grupos e talvez parem de ficar postando bobagens por aí. Em um cenário ainda melhor, essas pessoas parariam de ter convívio social apenas para acompanhar esse grupo, mas isso é apenas um sonho.

O segundo provável benefício é o avanço das técnicas de punições não-letais e alternativas para pessoas que cometem crimes. Ao invés de mandar para a prisão, dar uma surra, mandar carpir uns terrenos, o criminoso poderia ser inserido nesse grupo e obrigado a fazer relatórios diários sobre o que foi discutido. O punido teria seu celular com a função de fazer download automático de todas as mídias. Pode parecer meio pesado e a convenção de Genebra pode chiar sobre o assunto, mas acho que é válido. Dez dias em um grupo assim e a possibilidade de pena dobrada caso a pessoa seja reincidente, me parecem suficientes para que ninguém mais volte a reincidir em crime nenhum. (Sim, talvez as pessoas que participem do grupo não se preocupariam com crimes com medo de entrar nesse grupo. Mas, elas já estariam tão ocupadas respondendo os gifs animados, que elas não teriam tempo para cometer crime nenhum. Além disso, ainda existiriam as cadeias, de qualquer jeito).

2) Guerra dos Mundos

Em 1938 o cineasta, roteirista e produtor Orson Welles realizou um experimento comunicacional artístico ao transmitir via rádio a obra “Guerra dos Mundos”, baseado no livro de H. G. Wells. A produção narrava uma invasão marciana ao planeta Terra, com muita destruição, morte e extinção da raça humana. Devido a veracidade da transmissão, milhares de pessoas realmente acreditaram que estavam presenciando o fim da aventura humana na terra e o pânico se espalhou entre a população. Este evento projetou a carreira de Welles e até hoje ele é extremamente estudados nos primeiros semestres dos cursos de comunicação de todo o mundo.

Agora imaginem como teria sido a Guerra dos Mundos se existisse WhatsApp na época. Com gente enviando áudio de três minutos confirmando que a situação está tensa, que alguém disse ter visto objetos estranhos sobrevoando o céu, que um vizinho garantiu que está pegando fogo no centro, as pessoas se trancando em casa e vídeos da aurora boreal sendo compartilhados como se fossem provas da invasão de ETs sanguinários. Sim, o pânico seria generalizado e pessoas andariam desnorteadas pela rua, saqueariam lojas, fariam atos impensados diante do apocalipse, mesmo sem ver nada de estranho pessoalmente. Afinal, se estão compartilhando no Zap deve ser verdade.

Ano passado mesmo, Cuiabá viveu um pequeno momento de convulsão social depois que três ônibus foram incendiados e presidiários mandaram um “salve geral” pra galera que fortalece o crime. Os ataques foram provocados pela falta de visitas nos presídios, depois de uma greve de agentes prisionais. A situação foi grave, claro, mas até que relativamente controlada. Menos no WhatsApp. Por lá, ônibus eram queimados em todos os bairros, pessoas assassinadas, balas perdidas atingiam as casas, guerra civil, vídeos da faixa de Gaza eram transportados para o CPA. Imaginem uma invasão alienígena? Fica o desafio.

3) Onda da Verdade

Jean Willys conseguiu financiamento público para produzir um filme em que Jesus é um travesti. As habilitações vencidas a mais de 30 dias serão canceladas. Existiu um alerta de Tsunami no Brasil, que agora corre o risco de enfrentar um furacão. Notícias igualmente impactantes e totalmente falsas. Mas como são gostosas de compartilhar, não é mesmo? Há alguma coisa na construção desses textos que faz com que eles nos convençam a distribuir para todos os nossos contatos, sem nem pensar que não faz o menor sentido que um deputado de oposição que nem é cineasta tenha conseguido financiamento para um projeto bizarro em um momento de contingenciamento de gastos.

As notícias falsas apelam para os sentimentos mais primitivos (in memoriam Roberto Jefferson) ao invocar a tragédia, a calamidade e o sentimento de que tudo é uma palhaçada. Não é a toa que sempre tem frases de revolta vazias. Por isso o terceiro experimento é o mais difícil de todos: não compartilhar notícias falsas, ou melhor, tentar disseminar notícias que sejam realmente verdadeiras. Um experimento com um quê bíblico (não prestarás falso testemunho) mas que me parece impossível. Que pena.

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