Adorável Vizinhança (2)

Era um domingo, já no fim de tarde, quanto a campainha tocou. O vizinho estava na porta. Com olhos extremamente vermelhos, ele, o vizinho, fazia força para se manter em pé. Transpirava cerveja e perguntou se eles poderiam emprestar um rolo de papel toalha. O homem voltou para dentro da casa e pegou um rolo ainda não usado. O vizinho agradeceu e disse que eles eram muito legais. Apenas quando fechou a porta e voltou para o sofá que ele olhou para sua esposa que estava paralisada diante da situação. “Você não percebeu a situação dele”, ela perguntou. Ele tentou contemporizar dizendo que ele estava só pedindo um papel toalha, algo que pode acontecer. Não era disso que ela estava falando, o vizinho estava completamente fora de si, ela argumentou. Ele tentou dizer que não era para tanto, ele, o vizinho, estava um pouco bêbado, mas que era normal. Ela disse que aquilo não era só álcool. Não aprofundaram a discussão.

No dia seguinte, havia um pacote com dois novos papeis toalhas na porta deles, quando eles chegaram do trabalho. Ele disse para a esposa para ela ver como, olha só, os vizinhos não eram pessoas ruins. Ela concordou sem muita convicção.

Em um primeiro momento tentaram criar algumas teorias para explicar a frequência de festas na casa dos vizinhos. Além das sextas e sábados, eles sempre recebiam pessoas nas quartas. Devia ser alguma tradição do grupo de amigos. Talvez eles assistissem futebol, talvez jogassem pôquer, talvez fosse alguma religião, alguma confraria. Talvez fossem swingers que se reuniam na quarta-feira. Mas, todas as teorias começaram a ruir quando os carros passaram a estacionar na frente da casa do vizinho eventualmente nas segundas, nas terças, também nas quintas. Não havia mais dia, todo dia ao chegar em casa a música sertaneja estava tocando baixinho, as pessoas conversando e rindo, o cheiro de churrasco. Os vizinhos viviam em um eterno estado de festa, mas, não dava para dizer que atrapalhavam.

Tempos depois em um sábado, a música estava mais alta do que era de costume. As risadas também. O volume ligeiramente mais alto invadiu a madrugada e dificultou um pouco a pegar no sono. O casal ligou o ar-condicionado para criar outra barreira de barulho e conseguir dormir. Chegaram a lamentar aquela situação, mas não pensaram em reclamar com a portaria ou com o próprio vizinho, porque, enfim, era a primeira vez, não compensaria criar problemas com eles, ou com quem quer que seja, por conta de uma noite. Eles provavelmente teriam bom senso, não iriam fazer isso muitas vezes.

A ilusão não durou muito tempo, porque a partir de então em todos os sábados a música começou a ficar mais alta. O casal até brincava com a situação, quando chegava o sábado a noite dizendo que havia chegado o dia de ligar o ar-condicionado e fechar as janelas para dormir. Decidiram levar a vida levemente, não tentar ver tudo pelo aspecto negativo. Podia incomodar um pouco, mas com as janelas fechadas apenas uma batida grave eventualmente invadia o quarto, era perfeitamente possível dormir, não chegava a ser um transtorno.

Foi um pouco pior quando em uma noite de quinta-feira os vizinhos estavam novamente em festa e o homem estava com uma inflamação na garganta. Sem conseguir dormir direito e febril, ele acordou de madrugada e teve a impressão de que os vizinhos cantavam ao redor de um violão. Ele não tinha muita certeza porque estava muito zonzo e cansado, ficou acordando e dormindo sem saber se aquilo era um sonho – pesadelo – se eles realmente cantavam, ou se só conversavam ao som de uma música bem alta. Chegou a pensar se levantava para reclamar, mas concluiu que se fosse algo realmente sério outro vizinho iria reclamar e passou o resto da noite alternando períodos de quase alucinação com um sono leve.

Talvez fosse possível encarar como uma notícia positiva o fato de que a partir de então a música alta passou a não se repetir em todos os sábados. Na verdade, sua frequência passou a ficar imprevisível. Por vezes, por três dias seguidos era impossível dormir na casa graças a gritaria dos vizinhos. Em outras situações, os vizinhos chegaram a ficar em silêncio por até cinco dias consecutivos e nesses dias o casal chegou a pensar em agradecê-los pela compreensão e pela possibilidade de dormirem tranquilamente por alguns dias.

A época da seca chegou na cidade e a grama do jardim do fundo já estava bastante seca quando o homem resolveu que era tempo de começar a molhá-la de manhã. No terceirou ou no quarto dia ele percebeu uma merda de gato no seu jardim. Pensou “que merda”, literalmente, e entendeu porque algumas moscas estavam paradas no varal de estender roupas. Nos dias seguintes, invariavelmente percebia que o gato havia frequentado a casa de noite e defecado no gramado. “Pelo menos não está cavando buracos”, pensou.

As chuvas já haviam voltado e a grama começava a crescer de maneira desproporcional, principalmente próximo ao muro. Em um sábado o homem resolveu que era hora de aparar aquela porção do gramado e se dirigiu até o local com uma tesoura de jardinagem. No meio do caminho ele sentiu aquela desconfortável sensação de pisar naquela massa pastosa que se desmanchou e deslizou no exato instante em que foi pisada. Ele havia pisado na merda do gato. Observou bem e viu que aquelas fezes eram aparentemente grandes demais para terem saído de dentro de um gato, pelo menos de um gato que fosse capaz de invadir o terreno para ali fazer suas necessidades.

Dirigiu-se até a mangueira para lavar o seu pé e então olhou no meio de um monte de grama que havia um quantidade muito grande de fezes, de tamanhos e formas diferentes. Uma delas era claramente, certamente era um dejeto humano. Aquilo o deixou um tanto quanto perturbado. Mais tarde, conversou sobre a situação com sua esposa que não teve nenhuma reação. Pensaram em qual seria a solução para o caso, que não era possível que enquanto eles dormissem uma pessoa invadisse a casa apenas para cagar no jardim. Aquilo não fazia sentido. Por que justamente na casa deles? Acabaram por tomar uma decisão racional. Entraram em contato com uma empresa de segurança e mandaram instalar duas câmeras de segurança na casa, no corredor lateral, da qual seria possível ver o portão lateral e outra no fundo, pela qual seria possível observar o quintal. Eles assim saberiam que animal era esse que invadia a casa deles para utilizar o gramado como banheiro.

(continua)

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