O Mistério de Márcio Garcia

O canal Viva foi lançado pela Globosat com o objetivo de resgatar uma série de programas já produzidos pela Vênus Platinada e que estavam há anos encostados em arquivos empoeirados da emissora. A primeira coisa que constatamos no canal, é que muita coisa ruim já foi produzida desde que a Rede Globo de Televisão surgiu em 1965. Acabamos nos esquecendo deles, porque nossa memória preserva apenas os grandes sucessos e os programas duradouros, que ficaram por vários anos no ar.

Mesmo mostrando muita coisa ruim, o canal Viva é um acerto de estratégia e faz um enorme sucesso porque ele mexe justamente com a nossa nostalgia. Aquele sentimento de que as coisas boas já ficaram no passado, que nos faz pensar que éramos felizes na época do colégio e que o feijão atual não tem o gosto do de outrora. Só isso explica uma quase veneração atual pelo Sai de Baixo, por exemplo.

Uma das mais constantes figuras do Viva é Márcio Garcia. Carioca, ator, apresentador, diretor de 47 anos, ele é uma espécie de símbolo oculto dos programas ruins da Globo, canal em que ele atua desde 1994, com uma breve interrupção de quatro anos, período em que serviu aos quadros da Record e foi dado como morto por boa parte da população. Eu lembro quando ele estrelou Caminhos da Índia em 2009 - péssimo como sempre, diga-se de passagem - e todos pensaram “nossa, ele estava sumido”, sem se darem conta de que ele havia passado os últimos quatro anos apresentando um programa semanal de quatro horas de duração na Record.

A carreira de ator de Márcio Garcia é logicamente apagada, com destaque para um filme em que ele interpretou o índio Peri de O Guarani, uma passagem por Malhação - obrigatória para todos os jovens contratados da Globo - e diversas novelas das 6, em que ele sempre interpretava um garotão de bem com a vida, mas que tem lá os seus dramas juvenis. Desde que ele envelheceu, passou a interpretar o homem maduro, sempre misterioso, papel único devido a sua clara incapacidade de interpretação.

Sua presença constante em novelas da Globo é explicável porque não temos assim tantos atores no mundo e ainda mais atores que podem fazer papeis merdas com alguma constância. O que realmente chama a atenção é a quantidade de programas que ele já apresentou, todos horríveis, o que nos levar a crer que ele tem um pacto, sexual ou não, com alguma entidade oculta.

Se você ligar o canal Viva em um dia de fim de semana, muito possivelmente poderá assistir um episódio de Ponto a Ponto. Esta gincana que provavelmente tentava surfar na onda do sucesso de Passa e Repassa e outras atrações inigualáveis do SBT, contava ainda com a apresentação de Danielle Winits e Ana Furtado, outro fenômeno. Jovens de escolas de todo o país participavam de uma gincana bem bundona, mas travestida de espírito de aventura. A escola vencedora ganhava um prêmio ridículo e o direito de voltar e defender o título na semana possível, o que mais do que um prêmio, soava como uma maldição.

Márcio Garcia parece dizer "eeee, foto" enquanto murmura, "acaba logo essa porra". Danielle, por outro lado, parece ser a integrante mais genuinamente feliz do programa.
Garcia por vezes apresentava o programa com trajes militares e restos de fuligem espalhados em seu corpo malhado. Sua apresentação é marcada por um mau humor atávico, um marra inconteste e a impressão de que a qualquer momento ele diria para os telespectadores que aquilo ali era uma merda e que eles deveriam desligar a televisão. Era possível perceber o desprezo contido dele por aquele bando de jovens em busca de exposição na TV e possível perda da virgindade motivada pela empolgação provocada pelo programa.

Ponto a Ponto foi um dos maiores fracassos de audiência da história, conseguindo perder até para a Fórmula Indy, o que levou a sua descontinuação após apenas 19 episódios. Assim sendo, Garcia passou os anos seguintes substituindo Miguel Falabella no comando do Vídeo Show. Quando Falabella finalmente resolveu se livrar dessa bomba, a direção da Globo decidiu que era melhor colocar o André Marques em definitivo no seu lugar, o que deve ser provavelmente a pior experiência profissional pela qual alguém pode passar: ser preterido por André Marques.
"Realmente, era tudo o que eu queria estar fazendo na minha vida"
Em 2000 Márcio Gárcia estreava um novo programa, Gente Inocente. Certamente uma das atrações mais irritantes da história, Gente Inocente reunia uma série de crianças inconvenientes, e que nos fariam ter um ataque de nervos casos estivéssemos com elas dentro de um supermercado ou de um avião, fazendo perguntas para celebridades. Também havia alguns shows de talentos que certamente provocaram depressão pós-infantil. O programa ficou alguns anos no ar e logo após o seu fim, Garcia foi para o exílio na Record.
Memórias do cárcere
Voltou a Globo para interpretar o Bahuan, teve uma série de participações aleatórias em programas como o Criança Esperança (Seria ele o substituto de Didi Mocó?) e desde o ano passado comanda o Tamanho Família.

Vinte anos depois do Ponto a Ponto, Garcia mantém sua marca registrada de comando do programa. Aquela má vontade, tentativas de ser simpático que parecem que resultarão em agressão física e intimidação. Ele também demonstra um ar misterioso ao anunciar os quadros, tentando manter um suspense, mas quase que dizendo “vocês não imaginam a merda que vai vir agora”. Tamanho Família é uma atração dominical que reúne famílias de celebridades em uma gincana com trilha sonora produzida pela Família Lima, o que caralho, parece ser o pior roteiro da história, não é mesmo?

Talvez o sucesso de Garcia nesses anos todos comandando programas ruins é justamente essa sua postura intimidadora, a maneira como ele olha fixamente para a câmara e caminha em uma linha tênue que separa a indiferença da intimidação, esse fato de ele parecer que vai mandar todo mundo a merda, essa aparente insatisfação com sua vida, de que ele quer parecer engraçado, mas que não vai tolerar palhaçadinha. Garcia no fundo é mais um trabalhador comum infeliz no seu trabalho e talvez por isso permaneça tanto tempo no ar.

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