Amigo Oculto CH3 2016

Não há muito para onde escapar. O fim do ano sempre chega - exceção feita às pessoas que morreram - e os sobreviventes acabam se reunindo para festejar que mais um ano se passou, temos um ano a menos para viver. São dezenas de confraternizações com os mais diversos grupos de amigos, conhecidos, colegas, pessoas que você não gosta, mas com as quais infelizmente tem que conviver devido aos protocolos sociais.

Como se tanta convivência social assim já não fosse suficientemente desgastante, algumas pessoas tem a brilhante ideia de adicionar um charme a mais, que consiste em uma entrega de presentes aleatórios a pessoas pré-determinadas por sorteio, evento popularmente conhecido como Amigo Oculto.

No CH3 não é diferente e este ano nós chegamos a nossa 10ª edição de amigo oculto, um feito e tanto. Claro, a vontade de participar de um amigo oculto é inversamente proporcional a vontade de viver e, deus sabe - caso ele exista - as dificuldades perpassadas para realizar o AOCH3. Nos últimos anos tivemos que apelar para as mais sórdidas atitudes - Amigo Oculto Ladrão, sequestros relâmpagos, manifestações explícitas de ódio - para que o evento se concretizasse.

Esse ano, como não poderia deixar de ser, foi muito difícil novamente. Sem saídas para a organização, fui falar com o pesquisador macrobiótico colombiano Alfredo Humoyhuessos. Pedi sua ajuda, para que ele, com seus conhecimentos de diplomacia internacional e cerimonial de crise, conseguisse convencer todos a realizar deste grandioso Amigo Oculto, e é claro que ele conseguiu. Fez todos os contatos, organizou tudo e só me passou os detalhes. Perguntei para ele quanto ele cobraria pelo serviço e ele respondeu que nada, que a felicidade dos amigos e a infelicidade dos inimigos não têm preço.

Humoyhuessos resolveu seguir uma ideia apresentada aqui no CH3 no começo deste ano em um post que falava sobre outros tipos de amigos ocultos. Ele ficou encantado com a ideia do Amigo Conta, em que as pessoas vão para um bar com comandas individuais e, no final, é feito um sorteio para ver quem é que vai pagar a conta de quem. O colombiano acredita que essa é uma iniciativa inédita, um experimento social para testar as pessoas, além de possibilitar uma espécie de carma instantâneo. “Imagina um cidadão que pede o bar inteiro, já que outra pessoa vai pagar e no fim das contas ele acaba sorteando sua própria comanda. Seria fantástico”.

Rompendo o Pacto de Arizona, não nos reunimos na Casa de Diversão Noturna Carnicentas, mas sim no bar mexicano El Pancho. É um lugar com comandas individuais, opções de pratos relativamente caros, bebidas e um clima decadente, cortesia da banda vestida com sombreros cantando clássicos em portunhol.

Estivemos todos lá nesta quarta-feira. Vinícius Gressana veio direto de Curitiba - vale ressaltar que ele não está preso na Polícia Federal, Tackleberry arrumou uma brecha na sua agenda. Todos os oito membros restantes do CH3 estavam lá, além de Alfredo Humoyhuessos que não participou do amigo oculto – “questões éticas e profissionais”, ele disse. (Acho que sempre adotarei essa resposta agora) - que provavelmente nos usou como cobaias em um experimento que irá render um livro super difícil de ser entendido em um futuro breve.

Bem, conversamos durante algumas horas, discutimos com garçons que insistem em arremessar pratos no chão em momentos de empolgação, e no fim, com frio no estomago, resolvemos embaralhar todas as contas dentro de um chapéu. Alfredo Humoyhuessos já havia definido que a ordem de retirada das comandas seria a ordem alfabética “a mais antiga ordem e sobre a qual não há nenhuma contestação, pois ela já vem carregada com uma carga determinista de ancestralidade”.

Assim sendo, Alfredo Chagas, visivelmente embriagado de tequila e com um ar de bêbado melancólico, foi o primeiro. Enfiou a mão no chapeu e de lá retirou a comanda do Cão Leproso. Urrou de felicidade. Cão Leproso havia pedido apenas uma água que, rosqueada, permaneceu fechada a noite inteira. Dirigiu-se ao caixa e foi embora, até agora não sabemos se ele - felizmente - veio a falecer.

Foi a vez do Cão Leproso retirar a comanda de dentro da caixa, o que demorou um tempo constrangedor. Ele finalmente conseguiu retirar a comanda com o nome de Vinícius Gressana - surpreendente como os dois sempre se encontram nos nossos amigos ocultos. Gressana havia consumido cinco cervejas e o Cão Leproso não tem carteira nem lugares para guardar o dinheiro. Sem saída, ele resolveu urinar no pé da mesa e foi expulso do bar porque finalmente as pessoas perceberam que ele era um cachorro e que não poderia estar lá dentro.

Eu era o próximo na lista e de dentro do chapéu retirei a comanda com o nome da Hanz, o pansexual. O velho pornográfico havia comido apenas uma salada, com sua conta totalizando 29 reais. Paguei.

Hanz, o próximo na lista alfabética, retirou o nome de Alfredo Chagas que confirmou seu estado de alcoolismo, já que sua comanda registrava 17 doses de tequila. O velho pansexual foi para uma área reservada do restaurante, onde acreditamos que ele tenha pago a conta de maneira pouco usual.

Pai Jorginho de Ogum - consideramos a letra J e não o P em seu nome - foi o próximo a pegar o chapéu e retirar a comanda com o nome de seu velho amigo Marcão. Jorginho se fodeu de maneira gloriosa, porque o analfabeto pedreiro havia pedido uma série de coisas que ele nem sabia o que era e sua conta deu um valor astronômico de R$ 370. Sorte que Jorginho é um bem sucedido empresário do ramo da exploração sexual profissional e conseguiu pagar.

Marcão, por sua vez, mal tinha coordenação motora para pegar uma comanda e quando a pegou, é claro que não conseguia saber de quem era e o que havia nela. Ele pegou a minha comanda, na qual constavam dois mojitos e uma água. Como ele não costuma a ter reservas financeiras pagou a conta de R$ 40 lavando pratos.

Estávamos então com Tackleberry, que, vejam vocês, pegou a sua própria comanda. Isso acabaria acontecendo, cedo ou tarde. Ele havia bebido quatro cervejas, pagou sua conta e ainda ganhou um desconto propondo uma permuta de herbalife.

Para finalizar, Vinícius Gressana retirou a comanda de Jorginho de Ogum e é claro que Vinícius se deu mal. O pai de santo comeu um rodizio, bebeu oito drinks metidos a besta e ainda comeu duas paletas mexicanas, não é a toa que Jorginho está tão gordo e com cara de que em breve irá sofrer um infarto enquanto dorme. Vinícius poderia ter um enorme prejuízo financeiro, mas fez como todo artista faz: desenhou uma caricatura do dono do bar e dos garçons, abatendo sua dívida.

Finalizado o experimento sociológico fomos todos para nossas casas e certamente só iremos nos ver no Amigo Oculto do ano que vem.

Comentários