Observações Olímpicas Aleatórias

Os comentaristas

No sábado passado, um brasileiro enfrentava um norte-americano nas quartas-de-final de uma dessas tantas categorias do boxe olímpico. A partir dessas Olimpíadas, o esporte mudou e ao invés de o vencedor ser definido pela quantidade de golpes certos, ele é escolhido por juízes que decidem quem venceu cada round e ao final das três etapas da luta uma conta complexa define o vencedor.

Esse post certamente vai fazer sucesso, disse Popó
Pois bem, depois de um primeiro round até equilibrado, o brasileiro foi espancado duramente pelo norte-americano na segunda etapa do combate. Em certos momentos, parecia até que eu assistia a luta entre Apollo Creed e Ivan Drago. A dinâmica se manteve até o fim da luta e naquele momento que precede a decisão final dos juízes, o mundo inteiro sabia que o norte-americano havia ganho, exceção feita a uma pessoa: Acelino Popó Freitas, o brasileiro campeão mundial de boxe e ex-deputado federal. Para Popó, comentarista do Sportv, tudo poderia acontecer na decisão dos juízes e era isso aí, o Brasil estava forte. Obviamente, o americano venceu por unanimidade.

Grande parte dos esportes olímpicos permanece inteligível para grande parte dos seres humanos. Para nos familiarizarmos com eles, os canais de TV contratam comentaristas especializados, pessoas que vivenciaram intensamente aquele esporte, alguém que poderá explicar o que está acontecendo por trás de todos aqueles movimentos específicos do esporte. Assim sendo, nada seria melhor do que chamar um ex-atleta dessa categoria, não é mesmo?

O problema é que assim como Popó, muitos desses ex-atletas comentaristas não trazem nenhuma nuance específica do esporte. São apenas cidadãos embebidos em nacionalismo, torcendo pelo Brasil de maneira completamente irracional, criando uma barreira que os impede de enxergar a realidade. Todos se perdem na paranoia ufanista de Galvão Bueno que tenta nos fazer acreditar que vai dar Brasil, mesmo quando o barco brasileiro está afundado no fundo do mar.

Cito também o exemplo de Dayane dos Santos, campeã mundial de ginástica. Nesta semana ela era a única pessoa que realmente acreditava que Arthur Zanetti conquistaria medalha de ouro na prova das argolas, enquanto que o mundo inteiro reverenciava uma apresentação impecável de um grego com um nome obviamente difícil.

Qual é o problema disso? Quem assistiu os comentários de Dayane deve ter criado a vã expectativa de uma medalha de ouro e ao constatar que o mesmo não ocorreu deve ter pensado que o Brasil foi roubado. Ou que o nosso atleta é um fraco. Enfim, gerou desinformação.
Realmente Galvão, a roupa dela está muito bonita

É claro que nem todos são assim. Me surpreendi ao ver o Ricardo, do vôlei de praia, comentando o esporte. Claro, torcendo pelo Brasil, mas tentando explicar o que é que se passava dentro da quadra, as estratégias que poderiam ser utilizadas. Porque, afinal, se for apenas para torcer, eu mesmo torço em casa. Se for pra ficar falando que “é isso aí, é manter a cabeça no lugar, jogar sério que o Brasil vai conseguir a vitória”, é melhor se matar.

Há também o caso Guga. Que comentou os jogos de tênis muito bem, praticamente levando o espectador para dentro da quadra, interpretando os sentimentos do atleta, mas que além disso é o rei do carisma e acreditamos que ele poderia dominar a televisão brasileira. Acho que farei um post sobre isso em um próximo dia.

A Casa dos Atletas

Se por algum acaso um dia eu tivesse um filho que se tornasse atleta e chegasse a competir em uma Olimpíada, a última coisa que eu permitiria é que uma equipe de TV viesse acompanhar a minha reação na minha casa. Isso dá um azar danado.

Pode perceber: se a TV foi até a casa de uma atleta brasileira que “tá na briga pela medalha de ouro”, certamente ela não irá ganhar o que esperava. Vai passar longe do pódio. Vai ter um mal súbito, que a impedirá de prosseguir na luta pelo “tão sonhado ouro”.

"Estamos aqui na casa do Ryan Lochte e parece que ele está
muito louco"
Seriamente, acredito que mais do que o azar dos repórteres de TV, esses “fracassos” são provocados pelo desconhecimento da cobertura esportiva. O brasileiro tem muita dificuldade em aceitar a mudança e acredita que as coisas serão como sempre foram. Em 2012, ninguém estava enchendo o saco da família do Zanetti que era um desconhecido com boas chances de medalhas. Ele foi lá e ganhou. Quatro anos depois, ele vira o “ouro certo”. Todos vão lá captar as lágrimas do ouro certo e ele não vem, porque quatro anos é tempo demais e bicampeonatos olímpicos são bem raros. Aconteceu com o César Cielo, com a Maureen Maggi.

De maneira geral, o perfil do atleta brasileiro medalhista de ouro em modalidades individuais é a do cara que tem boas marcas no cenário mundial, mas que não ganhou nada em competições anteriores e entra sem pressão nas Olimpíadas. Sem ninguém enchendo o saco ele vai lá e ganha.

Atletas eternos

Boa parte dessa nossa dificuldade em aceitar as mudanças do esporte se passa também pelo fato de que muitos dos nossos atletas são eternos. Tem uma brasileira no Salto Sincronizado, avisa a TV. Sim, claro que é ela, a Juliana Veloso, que disputou os jogos de Sidney. Olha a Daniele Hypólito que praticamente fundou a ginástica artística no Brasil. Hugo Hoyama jogou tênis de mesa até ser interditado por familiares próximos. Álvaro Miranda, o Doda, tá aí perdendo competições de Hipismo desde 2004 pelo menos. Vez por outra eu me surpreendo ao saber que Vicente Lenílson não nos representa mais no revezamento do atletismo. E quando foi que o Sebastian Cuattrin parou de remar? Tenho certeza que nos jogos de Dubai, em 2028, Yane Marques ainda será nossa representante no pentatlo moderno e escutaremos a história de Serginho, o líbero brasileiro que será avô durante a competição.

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