Orgulho Profissional

Ande com um taxista em qualquer cidade do Brasil e a chance de que ele puxe conversa com você é mais certa do que a morte. Os assuntos discutidos são previsíveis: o governo atual é muito ruim, a vida hoje tá ruim, antes era melhor, violações dos direitos humanos. Para todos esses assuntos, a recomendação sempre será: concorde monossilabicamente, não crie atritos.

Em determinado momento a conversa poderá variar para outro tema: carteira de clientes. Ele já dirigiu para alguém da sua cidade, ou de alguma cidade que ele acha que é próxima a sua. Geralmente os taxistas sempre têm alguns clientes famosos: atores globais, políticos, figuras importantes no cenário nacional. O taxista contará suas corridas com eles, para onde já os levou e certamente serviu a um deles nos últimos dias.


Você há de pensar que isso em pouco interessa a sua vida e de fato pouco interessa. Pouco importa quem já esteve sentado no banco de trás daquele táxi. Tudo o que você quer é que ele te leve ao seu destino final em segurança, sem dar voltas pela cidade e, ah ilusão, sem dar opiniões sobre o cenário político-econômico atual. Mas pense: os clientes famosos são a única forma que o taxista encontra para demonstrar o seu orgulho profissional.

A vida é algo difícil de ser explicada. Surgimos a partir de células reprodutivas que começam a crescer de maneira misteriosa, se multiplicam e formam complexos sistemas que movem nosso corpo. Então, passaremos alguns anos crescendo até estabilizarmos e começarmos um período de declínio que resultará em nossa morte. Neste período, que pode ser breve ou muito longo, passaremos por várias experiências, sentiremos várias coisas e muitas vezes não encontraremos nenhum sentido para isso. Por que estamos aqui? Nessa tarde quente e desgraçada esperando o horário de bater o ponto e ir embora para casa? Deus. Não é a toa que as religiões são tão populares. É muito mais fácil tentar encontrar um propósito divino para a nossa existência terrena e acreditar que no fim teremos uma vida eterna e consagradora ao lado do criador.

No entanto, a espera por um final feliz nem sempre é suficiente. É preciso encontrar um sentido mais próximo para o que estamos fazendo. Geralmente buscamos dar uma sentido para o que fazemos, tentamos acreditar que somos uma peça fundamental para a engrenagem que move o mundo. Geralmente é o contrário: a imensa maioria de nós irá viver e morrer sendo notados por uma quantidade miserável de pessoas e seremos brevemente esquecidos assim que morrermos.

Nossa profissão é um dos motivos de orgulho. Sempre tentamos listar nossos feitos profissionais para mostrarmos como somos importantes para a existência humana e nos confortar com algum sentido para tudo isso. Médicos podem listar os procedimentos que fizeram e salvaram vidas. Bombeiros, policiais também podem falar sobre vidas que não foram perdidas graças a sua atuação. Profissionais da área de direito podem citar a justiça que eles promoveram. Jornalistas podem dizer que fizeram uma matéria importante para denunciar desmandos. Publicitários falam de campanhas que conscientizaram as pessoas sobre diversos malefícios – e propositalmente omitem que já fizeram pessoas morrer de câncer de pulmão. Garis evitaram enchentes retirando lixo das ruas. E os taxistas?

Ele jamais poderá demonstrar seu orgulho citando alguma grande corrida que ele teria feito. “Ontem eu saí lá do Sumaré, passei em Santana e fui levar o meu cliente no Jabaquara. Saindo dali foi correndo no Brás e fiz uma corrida para Vila Madalena”. Grande merda, não? Dificilmente alguém entrará em seu carro e dirá “siga aquele ônibus, porque o amor da minha vida está lá dentro”.

O que resta para o taxista? Citar os seus clientes famosos. O juiz Sérgio Moro, a Cristiane Torloni, um jogador de futebol. Acreditar que aquele dia em que a celebridade entrou em seu carro em Higienópolis e foi transportado até o viaduto do chá foi fundamental para destinar os rumos da nação. “Sabe aquele Oscar da Fernanda Montenegro? Ela conseguiu aquele nível de atuação depois que eu fiz uma corrida com ela e fui daqui até Guarulhos elogiando as obras do Maluf. Sergio Moro deflagrou a Lava Jato depois que eu levei ele para uma palestra em Taboão da Serra. Acho que eu o influenciei com meus apontamentos sobre a corrupção no Brasil. Sabe quem eu levei para embarcar para a Copa do Mundo? O Felipe Melo” e por aí vai.

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