Última parada: Paranatinga III

Não demorou muito para que nós percebêssemos que estávamos participando de uma espécie de julgamento medieval. As pessoas com as tochas em mãos esperando por um espetáculo pirotécnico em praça pública. Um cidadão que parecia exercer alguma liderança sobre aquela multidão começou a ler o texto que escrevemos sobre o Carnaval de Paranatinga em 2007.

Cada frase era pontuada de maneira irônica e os trechos mais ofensivos ganhavam ênfase e gritos raivosos da população. A leitura do texto funcionava como uma sentença de morte. O cidadão proferiu que pela difamação, ofensa, calúnia e desfaçatez contra a cidade, os três membros do CH3 seriam condenados a fogueira. Seríamos amarrados em uma árvore e nossos corpos seriam incendiados.

Nesse momento, uma pessoa se manifestou e questionou a forma da execução. Disse que não tinha nada contra o nosso processo de combustão, muito pelo contrário, mas que era contra o fato de nos amarrarem em uma árvore. Segundo ele, devemos preservar o meio ambiente e, além de destruir uma árvore, o processo poderia desencadear um incêndio descontrolado que atingiria outras árvores e talvez algumas casas da região.

A população em geral concordou que o comentário estava correto e após uma breve votação, decidiram que nós não deveríamos mesmo ser atados a árvore. Um pequeno grupo dialogou em separado, com as mãos sobre seus rostos, para impossibilitar uma leitura labial alheia. Depois de cinco minutos de conversa e muitas possibilidades eles voltaram a chamar a atenção do público. Estava decidido que nós seríamos amarrados ao gira-gira do parquinho da praça e aí então seríamos queimados.

As pessoas gritaram, mas outro cidadão voltou a levantar a mão. Ele disse que caso fossemos amarrados ao gira-gira e então queimados, o brinquedo ficaria para sempre inutilizado. Ele lembrou que o parquinho da praça foi uma conquista da população, após anos de reinvindicações junto ao poder público. Se nossa morte transcorresse desta forma, muito provavelmente eles ficariam para sempre sem o parquinho e sem um espaço público para o lazer e diversão das crianças da cidade.

Comentários esparsos de que o cidadão tinha razão ecoaram pela praça. Chegou-se a cogitar que nós fossemos amarrados em outros dos elementos do parquinho, mas ninguém parecia ter mais desapego pelo escorregador, ou pelo balanço. A situação parecia ter chegado a um impasse, já que não haveria outro lugar em que nós poderíamos ser amarrados para que então o fogo fosse ateado em nossos corpos.

A multidão fez um silêncio temporário até que alguém propôs que não seria necessário nos amarrar em nada. Bastava amarrar nossos braços e pernas para que não fugíssemos e jogar fogo na gente. A população concordou em uníssono. E deveríamos ser amarrados bem próximos, mas evitar o desperdício e evitar um incêndio descontrolado. Mais gritos. E deveríamos ser queimados sobre o concreto, também pela questão ambiental. A população entrou em êxtase.

Arrumaram algumas cordas utilizadas no desfile alegórico e logo estávamos os três bem amarrados num pedaço de concreto. O dia começava a amanhecer, tirando um pouco o impacto das tochas acesas.

Chegou então, o momento em que deveríamos ser queimados. Percebi que as pessoas ficaram paradas por um instante, como se não soubessem o que fazer. Eles estavam em dúvida sobre a melhor maneira de incendiar três pessoas. Chegaram a conclusão de que não bastaria apenas encostar as tochas em nós, isso iria provocar queimaduras, faria que nós nos contorcêssemos de dor e provocaria repulsa no carrasco, que não conseguiria ir em frente. O incêndio deveria ser rápido e impessoal.

Alguém falou que eles precisariam de álcool, ou algum outro combustível. Passaram a andar em círculos para ver quem é que tinha um galão sobrando por aí. Se sentiram abandonados pelo destino e pelo fato de a tecnologia do automóvel não ter chegado até aquele pedaço maldito de terra.

Logo perceberam nosso carro estacionado e pensaram que era o crime perfeito. Seríamos queimados no combustível do nosso próprio carro. O carro que nos levou até ali seria o veículo que nos conduziu até a morte de maneira dupla. Abriram a tampa do tanque com um sorriso maquiavélico e, caramba!, o carro não tinha mais combustível. Ainda bem que o Tackleberry não abasteceu o carro em Primavera do Leste.

Eles pareciam sem alternativa. Discutiram se poderíamos ser incendiados com cerveja, mas chegaram a conclusão de que seria impossível. Passaram a propor outros métodos para a nossa execução, como o apedrejamento, ou a forca, mas a população parecia desanimada. Estavam esperando pelo belo espetáculo pirotécnico da fogueira.

Eis que um maldito cidadão chegou com um galão de gasolina que ele tinha em sua fazenda. A população vibrou e todos começaram a se aproximar de nós. A tampa do galão era desrosqueada, quando todos ficaram em silêncio e uma chuva de balas de caramelo caiu sobre todos nós.

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