Nunca estivemos piores

Um pensamento comum no imaginário popular brasileiro é que estamos sempre vivendo o pior momento da nossa história. É assim na política, é assim no futebol e não poderia deixar de ser diferente, é assim na cultura A televisão está em seu pior momento. Os filmes nacionais são os piores que já foram feitos. A música que está nas rádios representa a falência moral do povo brasileiro.

A afirmação de que nunca estivemos piores é recorrente quando o assunto é música. A cada novo sucesso de verão, temos a impressão de que jamais foi feita uma coisa tão ruim assim. Impressão que às vezes pode ser justa mas que esconde uma verdade mais inconveniente: músicas ruins são feitas e se tornam populares desde que o ser humano cantarolou a primeira melodia da história.

O hit do carnaval deste ano suscitou estes pensamentos. Metralhadora é uma música bizarra com elementos catastróficos que chegam a transformá-la em uma canção divertida no aspecto trash da vida. Uma letra que não diz nada com nada e um refrão baseado em uma onomatopeia sendo repetida por toda eternidade, entremeada por um violino irritante.

A música foi defendida por algumas pessoas, que viram nela um reflexo dos tempos modernos e do empondaramento das mulheres. Eu sinceramente não entendi onde é que as mulheres se emponderam com graves batendo e cornetas doendo, mas enfim. Há de se analisar que pelo menos metralhadora tem uma onomatopeia que faz algum sentido, ao contrário de hits de anos anteriores.

Não podemos nos esquecer que dois anos atrás o carnaval foi dominado pelo Lepo Lepo, que era uma canção terrível. Já tivemos o Creu, que sinceramente, é difícil de ser superada. Todos os sertanejos com onomatopeias aleatórias de três ou quatro anos atrás. Se lembram do clima de depressão que se instalou na ala intelectual do Brasil quando Michel Teló assumiu o topo das paradas?

Sim, você pode dizer então que a falência moral brasileira é um processo recente e que começou com o desgoverno Dilma e a roubalheira do PT. Mas, se nós voltarmos dez anos no tempo vamos descobrir que em 2006, ano em que o CH3 foi criado, um dos principais hits brasileiros era cantada pelo músico Armandinho, aquela que dizia que quando deus te desenhou, ele estava namorando, a pior cantada da história.

Em 1996 o Brasil estava infestado pelo Araketu, aquele que quando tocava deixava todo mundo pulando que nem pipoca. Esse também foi o ano da explosão da Axé Music, que hoje pode até parecer saborosamente nostálgica mas que parecia o inferno na época em que tocava nas rádios o dia inteiro. Vocês se lembram daquele inferno de “olha olha olha olha a água mineral água mineral água mineral”. É de 1996.

Ah, você pode até dizer que essas músicas eram boas, estimulavam o consumo saudável de líquidos e a hidratação permanente como forma de deter o poder destruidor da ressaca e que tudo piorou desde então. Mas, sabem o que mais fazia sucesso em 1996? Tiririca. Cantando Florentina. Sim, mesmo se você se esforçar vai ter dificuldade em achar muitas canções que são indiscutivelmente piores do que Florentina.

E em 1986? As pessoas ouviam coisas terríveis como Manequim, da banda Dominó. Se formos mais longe vamos chegar em uma época em que as pessoas escutavam Biquíni de Bolinha Amarelinha. Sei que você pensou agora “ah, essa música é bonitinha”, mas te convido a um exercício. Imagine se Anitta resolvesse lançar uma música sobre uma cidadã chamada Ana Maria que utiliza biquínis pequenos. O que você diria? Que o mundo já pode acabar.

Temos alguns casos que realmente são mais difíceis de se defender. Os funkeiros modernos que fazem músicas que consistem em percussões aleatórias com versos sobre ostentação também aleatórios e que imaginamos que sejam sempre cantados de improviso, porque é impossível alguém pensar em uma coisa assim e decorá-la.

O exemplo mais bizarro de todos é o MC Bin Laden. Sim, não há defesa para um homem que tem tetas gravar uma música fazendo uma dança retardada na beira da praia sem camisa e que as pessoas escutem isso. Não há sentido em dizer que tá tranquilo, tá favorável. Mas, convenhamos, não havia defesa para o Pimpolho, aquele cara tão legal, mas que não podia ver mulher que já pedia pra baixar.

Isso não tem explicação 
Se formos lá para os anos de 1870, certamente havia algum contemporâneo de Wagner que compôs algumas sinfonias realmente terríveis, mas que as pessoas gostavam por razões que só poderiam ser explicadas pela magia negra. Mas, para sorte dos nossos antepassados, não haviam registros disso e eles puderam apagar esse momento negro da história da humanidade sem que ninguém soubesse.

Eis aí uma diferença para os tempos atuais. Seus vídeos dançando tá tranquilo, tá favorável, poderão ficar para sempre vagando na web e você será um motivo de vergonha eterna.

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