Glória Pires comentando a vida


A atuação de Glória Pires na transmissão da Globo da cerimônia de entrega do Oscar de 2016 foi sem dúvida um momento marcante na história da cultura brasileira. Com seus comentários lacônicos e seu distanciamento em relação ao objeto fático, Glória teve uma performance magnetizante e eclipsou todos os outros presentes no estúdio, quiçá todos os presentes no Teatro Dolby em Los Angeles. Pobre DiCaprio. Não consegue ser o centro das atenções nem no dia em que finalmente ganha o Oscar.

Não sem razão, Glória foi massacrada nas redes sociais por conta de seus expressivos comentários sobre os filmes e afirmações como “excelente, todas excelentes”, “ótimo”, “espetacular”, “médio” e o imbatível “não sou capaz de opinar”. Muitas pessoas se perguntam o que é que a intérprete das inesquecíveis Ruth e Raquel estava fazendo lá. Mas eu me pergunto outra coisa: o que Glória Pires não está fazendo em outros lugares?

Eu sou amplamente favorável a ideia de que Glória Pires precisa ocupar mais os espaços públicos. Acredito que todo e qualquer evento televiso será muito melhor com seus comentários amplos e profundos.

Por mim, Glória Pires ganharia um espaço fixo nos telejornais da Globo. Sempre há aquele espaço em que o Alexandre Garcia faz um comentário desnecessário ou em que o Arnaldo Jabor faz uma pequena interpretação do universo em um minuto, pois bem, Glória Pires é que deveria estar lá. Glorinha é que deveria ser questionada sobre os desdobramentos da Operação Lava Jato e dizer “não sou capaz de opinar”. Por mim, ela estaria amanhã no lugar do Rodrigo Pimentel comentando as ações de segurança efetuadas pelo exército ou pelo Bope. O que você achou da ocupação do Morro do Pavão, Glória? “Triste, mas necessário”.

Glória deveria estar na Previsão do Tempo. Vai fazer sol no Rio de Janeiro? “Não sou boa com previsões”. Teríamos que esperar para ver o que vai acontecer.

Queria ver Glória comentando os jogos de futebol já a partir desta quarta-feira. Gostou da jogada. Sim. O que você acha do Tite? Excelente. Boa a atuação do Palmeiras? Médio. Iria acrescentar bem mais do que o Caio Ribeiro, acredito eu.

Em um projeto mais longo, ela deveria ser a comentarista dos Jogos Olímpicos. Uma enorme felicidade invade o meu corpo quando eu penso nela comentando os nados sincronizados, ou os saltos ornamentais. O atleta se contorcendo todo em busca de um movimento perfeito praticamente imperceptível aos olhos de reles mortais e quando ele cai na água, Glória Pires vaticina: médio.

Queria ver GP comentando o Diego Hipólito se debatendo no chão após um erro de cálculo, cavalos saltando, pessoas remando em baías com restos mortais de pessoas não identificadas. Serão as melhores Olimpíadas de todos os tempos, apenas por conta dela. O basquete sempre nos lembra o inesquecível Dream Team de Barcelona, 1992, não é mesmo, Glória? “Não assisti”.

O momento máximo aconteceria no dia em que ela comentasse o Carnaval. O que ela achou do Salgueiro? Não viu. A bateria da Portela? Não é capaz de opinar. As alegorias da Imperatriz? Médio. O enredo da Grande Rio? Excelente. Acredito que Cléber Machado não iria se aguentar e perguntaria para ela se ela viu a Mangueira entrar e ela incrédula responderia que não viu.

Acho que as pessoas tem que ser mais como Glória Pires na vida. Não precisamos dar tantas opiniões assim sobre tudo, inclusive sobre coisas para quais nós não temos capacidade de fazer. Não sabe, não responda, não se envolva em confusão, não faça a discussão se prolongar. Se todos fossemos como Glória Pires o mundo seria um lugar melhor. Acredito que ela seja a própria personificação da letra de Imagine, do John Lennon.

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