Diagnósticos precipitados

Se há uma verdade absoluta na vida, essa é a de que um dia nós iremos passar mal por algum motivo. Sim, existem inúmeras razões que podem provocar um mal-estar no ser humano. Dezenas de tipos de dores de cabeça, indisposições estomacais e intestinais provocadas pelas mais diversas razões alimentares, pressão alta, pressão baixa, problemas respiratórios, problemas circulatórios, gravidez, fome, aneurisma, AVC, unha encravada, infarto, ataque epilético, convulsões, rompimento de órgãos internos, fraturas expostas, rinite, sinusite, artrite, artrose. Escolha a sua.

Se eu gostaria de desejar alguma coisa para alguém, é que as pessoas tenham sorte de, quando passarem mal, não passem mal em um lugar público. Que sintam um mal estar súbito no hospital, ou próximas de alguma unidade hospitalar, na presença de um médico. Que seja em casa mesmo, na companhia de alguma pessoa de confiança que irá proporcionar uma solução eficaz para o problema - solução que consiste em levar a um hospital ou providenciar um remédio em caso de uma complicação recorrente e corretamente diagnosticada.

Mas que não passe mal em público. No meio de uma reunião, no saguão de um aeroporto, numa entrevista coletiva, numa missa. Porque o ser humano não consegue tomar decisões corretamente quando está em grupo.

Assim que o cidadão demonstrar o primeiro sinal de que algo não está bem com ele - cair desmaiado, cair no chão, vomitar, sangrar pela orelha, se contorcer em dor - alguém próximo irá gritar “Meu deus, alguém ajuda aqui” e em poucos segundos dezenas de pessoas irão se posicionar para salvar o moribundo.

Só que, como ninguém ali entende muita coisa sobre primeiros socorros, o resultado tende a ser catastrófico. Primeiro as pessoas irão se amontoar em cima do pobre coitado que não irá conseguir respirar. Alguém irá dizer para que todos se afastem e então surgirão aqueles que têm a situação sob controle. Pessoas experientes que já serviram no Vietnã e sabem como solucionar situações de risco.

Alguém dirá que é para manter a pessoa sentada, outro que é para manter deitado, deitado de bruços, deitado de lado, com a cabeça mais alta, com os pés para cima, com o quadril apoiado, de cabeça para baixo. Segura o pescoço para não dar lesão cervical. Dá água com sal, dá água com açúcar, joga água na cara, segura a língua, traz uma compressa de água quente, de água gelada, liga o ar condicionado. Quando você menos perceber, a vítima já estará sendo submetida a massagens cardíacas, respiração boca a boca e traqueostomia. Se alguém tiver um desfibrilador, ele será usado. Alguém pode improvisar e utilizar dois fios desencapados.

Enquanto isso, as pessoas continuarão gritando e dando os seus diagnósticos precipitados. É AVC, é epilepsia, infarto, tá grávida, é câncer. Todo mundo tem um tio, um vizinho ou um amigo que passou por isso e é batata.

Chama a ambulância, liga para algum parente, coloca no carro e leva para o hospital, não leva, melhor esperar a ambulância e a pessoa morreu. Não resistiu aos choques e os diversos tratamentos a que foi submetido, principalmente a traqueostomia mal sucedida que a fez sangrar até a morte.

E pensar que era só um ator de teatro contemporâneo fazendo a sua monografia de conclusão do curso de Artes Cênicas.

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