De Volta Para o Futuro

Finalmente chegamos ao 21 de outubro, o dia em que Marty McFly encontraria um mundo muito louco, de acordo com a clássica série "De Volta Para o Futuro". Não irei me ater em mais detalhes sobre a série, porque, sinceramente, os filmes são ótimos e acho que eu vi cada um deles pelo menos umas três vezes ainda no século passado, mas acredito que nunca mais os vi e minha memória não consegue registrar os mínimos detalhes da trilogia.

O fato é que o mundo não é igual ao que o filme imaginou, até porque os roteiristas fizeram uma série de piadas sobre o futuro. Mas entre as falhas mais imperdoáveis está a de eles não registrarem que em 2015 o mundo inteiro estaria ligado em um blog de humor. Eles não previram o surgimento do Não Salvo. Inclusive porque não imaginavam que iria surgir a internet. Quem acreditaria nisso em 1989? Era mais fácil imaginar que existiriam skates voadores mesmo.

Interessado no assunto, o CH3 resolveu fazer um exercício de futurologia. Como será o mundo em 2041, daqui a 26 anos? Vocês devem ter imaginado, quando nós falamos em futuro por aqui nós falamos em Pai Jorginho de Ogum. E isso implica em um texto gigante descrevendo minha saga em busca dessa figura sobrenatural, que geralmente resulta em momentos de tensão envolvendo um cachorro sem braço e situações com verdadeiro risco de morte. Vou poupá-los desses trechos.

O fato é que encontrei Pai Jorginho de Ogum e lhe apresentei meu plano. Ele disse que era uma merda e eu concordei, afinal, se o pai-de-santo não consegue acertar nem qual será o cor do céu amanhã, o que dirá sobre uma série de eventos que irão acontecer em 26 anos? Certamente ele não teria condições de falar sobre isso. Ele me pareceu meio irritado com a minha constatação.

Foi aí então que nós fomos surpreendidos novamente. Ou melhor, foi aí que eu tive uma ideia realmente boa. Entrei em contato com Alfredo Humoyhuessos, o pesquisador e anestesista colombiano, e lhe falei sobre os meus planos. Ele disse que essa era uma ótima ideia e que ele poderia me ajudar. Em exatamente sete minutos, Alfredo apareceu na porta da casa de Pai Jorginho de Ogum carregando uma enorme geringonça: era uma máquina do tempo, ao estilo De Volta para o Futuro. Ele a instalou no meu Gurgel, utilizando o acendedor de cigarros (“as melhores tecnologias são justamente as mais simples”, ele disse) e me chamou.

Entramos eu, Alfredo, Pai Jorginho e o Cão Leproso no carro. Ele me disse que precisávamos ir até uma reta e alcançar a velocidade de 120 km/h com o Gurgel. Falei para ele que isso beirava o impossível, mas ele insistiu. Me dirigi então até Várzea Grande, o município vizinho a Cuiabá, em que as leis de trânsito simplesmente não existem. Cheguei até a distante Avenida Julio Campos, em um trecho no qual não existem quebra-molas, radares ou muitos carros e comecei a acelerar.

Quando o velocímetro atingiu 60 km por hora o Gurgel começou a tremer, para a apreensão de todos. Aos 80 km, o carro começou a vibrar freneticamente. Quando bateu em 100, o motor parecia que iria explodir. Disse para Alfredo que não dava mais, mas ele apenas insistia. Com muito esforço consegui atingir 120 km/h em um momento em que parecia que o carro iria se desintegrar. E de certa forma foi isso que aconteceu.

Quando olhei, estava em um cenário completamente diferente. A Avenida Júlio Campos estava tomada por prédios e outdoors que a anunciavam como a última fronteira da especulação imobiliária. Não entendi nada daquilo. Parecia não ter dúvida de que eu estava no futuro.

Olhei em volta e vi uma série de carros com curvas retas e percebi que nenhum deles era guiado por motoristas. Todos eram automáticos. Sem saber o que fazer, parei em uma loja de conveniências. Perguntei ao atendente em que ano nós estamos e ele me olhou como se eu fosse um retardado. Respondeu que estávamos em 2041. Alfredo Humoyhuessos parecia resoluto, enquanto Pai Jorginho estava embasbacado. Dei uma olhada na loja e vi umas latas de Coca Cola diferentes. Percebi que elas eram fabricadas a base de soja. E que elas custavam 38 reais. O real, afinal, ainda era a moeda nacional.

Perguntei ao atendente se tinha algum jornal para vender e ele me olhou como se eu fosse um débil mental. Disse que fazia pelo menos quinze anos que não existia mais jornal em papel. Perguntei como eu poderia fazer para saber das notícias e ele disse que bastava acessar os sites a partir do meu celular, aproveitando a internet holográfica, disponível em todo o país. Em todo caso, olhei a TV da loja e vi que Elias Neto apresentava o telejornal da TV Centro América. Prestei atenção nas notícias. Uma delas dizia que o governador de Mato Grosso, Thiago Borges, havia afirmado nesta segunda-feira que o Governo de Mato Grosso pretendia dar uma resposta, ainda este ano, sobre as obras do VLT que estavam prestes a completar 30 anos. Olhei a entrevista e vi que o governador era o Tackleberry. Que mundo louco.

Vi ao meu lado uma senhora comprando uma Coca Cola de soja com uma nota de cinquenta reais e vi que ela não era mais estampada por uma imponente onça e sim pelo rosto de Eduardo Cunha. Embaixo do seu rosto estava escrito “Cunha, o Pacificador”.

Fiquei observando a TV por mais um tempo e o Jornal Nacional anunciou que pesquisadores haviam descoberto a cura da Lepra. Procurei por Cão Leproso, que parecia satisfeito.

Voltei para o carro e saí dirigindo pelas ruas de Várzea Grande, todos me olhavam assustados. Nem parecia que eram eles que estavam em carros automáticos. As ruas de Várzea Grande continuavam iguais, apenas com asfalto bom e com muitos prédios. E sem semáforos. Com o advento dos carros automáticos, eles simplesmente deixaram de existir. Foi um desafio chegar até Cuiabá.

Passei pela Avenida da FEB e incrivelmente os trilhos do VLT continuavam por ali. Algumas coisas nunca mudam. Quando finalmente cheguei ao lugar onde antes ficava localizada a Ponte Júlio Müller, percebi que havia um enorme muro e policiais fortemente armados. Não existia mais Rio Cuiabá. A ponte passava por um enorme lamaçal separado pela muralha gigante, com algumas pichações.

Os policiais obviamente me mandaram parar. Colocaram uma lanterna na minha cara e me perguntaram o que eu pensava que estava fazendo dirigindo um carro? Pediram meus documentos. Entreguei minha carteira de habilitação e os documentos do carro. Ele perguntou se eu estava de sacanagem e eu respondi que isso era tudo o que eu tinha. Ele me disse para esperar um segundo e entrou para dentro do posto policial.

Após alguns segundos ele me chamou e eu entrei na sala. Ele me mostrou uma parede que funcionava com um monitor onde aparecia um registro geral meu e dizia que eu havia morrido em 21 de outubro de 2015.

(Continua)

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