Serviço Militar

Há alguns anos a televisão exibia uma propaganda muito interessante sobre o alistamento militar. Ela mostrava um cidadão com roupas camufladas e segurando uma corda, enquanto texto dizia algo sobre o jovem completar 18 anos e os prazos e requisitos necessários para quitar seus deveres pátrios. Em determinado momento, outros dois cidadãos se juntavam ao primeiro, compondo aquela cota racial básica, típica de uma boy band. A câmera dava um giro de 180 graus e revelava que os sujeitos estavam de cabeça para baixo. Eles então começavam a descer rapidamente, como se fossem uma espécie de lagartixa humana em um bizarro rapel invertido sobre um fundo chroma key absolutamente pavoroso. Nada poderia ter mais a cara do exército.

Em pleno ano de 2015, nada justifica a obrigatoriedade do alistamento militar para os jovens que completaram 18 anos. O Brasil não é um país em constantes conflitos armados, que necessite reforçar sua tropa para sangrar inimigos continentes afora. O Exército, por sua vez, é uma instituição que sofre com severos problemas financeiros e muitos dos seus alistados são dispensados para economizar dinheiro com comida e lavanderia.

Completei 18 anos no saudoso ano de 2005 e segui as orientações propagandísticas de comparecer à junta militar do meu município munido dos meus documentos pessoais. Fui atendido por um cidadão que tinha uma unha ridiculamente grande no polegar, que tirou minhas digitais e agendou a data em que deveria aparecer no Batalhão do Exército: 15 de julho.

Eu tive a sorte de ser pré-dispensado, mas isso não me impediu de ficar algumas horas escutando um militar delirante, dizendo que não estávamos definitivamente dispensados, porque se o Brasil entrasse em guerra – e isso é muito provável – vocês serão convocados a pegar em fuzis e não poderão negar o chamado, porque a constituição de guerra prevê a pena de morte para apenas um único caso: traição a pátria e que antes de sermos dispensados, seríamos convocados a escrever a palavra exceção e quem escrevesse incorretamente seria condenado a limpar as privadas do quartel “passar a tarde inteira enfiando a mão naquela merda toda”. Dez anos se passaram e o Brasil não entrou em guerra e ninguém precisou escrever palavra nenhuma por lá.

Tenho esse dia como uma pequena prévia de como o exército funciona. Existem pessoas que defendem o alistamento, dizendo que o Exército ensina disciplina. Disciplina aprendida a base de tapas na cara, gritos, pagamentos de penitência, palavras de ordem e privação de fome e sono. Falam que o Exército ensina valores cívicos e nacionalismo, também a base de cusparadas, gritos e flexões. Sério, qual é o sentido disso?
Ah, você também vai comer insetos
O Brasil não entra em guerras, o Exército não tem dinheiro e os jovens preferem compartilhar putaria no Whatsapp. Tudo bem, você pode argumentar que existem aqueles que gostam e querem entrar para o Exército. Pois, que entrem então. Não quero obrigar ninguém a se abster dos seus sonhos. O ridículo é obrigar alguém a participar de algo que não quer e que não faz o menor sentido.

Mas, volto a me lembrar da propaganda dos homens-lagartixas no chroma key psicodélico. Nos comerciais televisivos, o exército não mostra tapas na cara e nem sequer disciplina. Só evoca o nacionalismo, com imagens de jovens fazendo rapel, escalada em parede, le parkou e outros esportes radicais. Nas propagandas, o exército parece ser uma enorme colônia de férias para jovens recém-adultos.

De certa forma, até entendo os responsáveis pela propaganda. A publicidade vende valores e conceitos e deve ser difícil para caramba estimular alguém a entrar em um lugar em que vai passar por humilhações e fome – além, é claro, do bizarro momento do exame médico adimissional em que você ficará com outros homens numa sala, todos nus, e será obrigado a assoprar seu antebraço em busca de uma hérnia. Como vender uma porra dessas em 30 segundos de TV?

A resposta é simples. Os comerciais deveriam dizer “jovem, se você completou 18 anos você precisa se alistar no exército para obter seu certificado de reservista. Sem ele, você não conseguirá se formar na faculdade, ingressar em concursos públicos ou abrir crediário na Ricardo Eletro. Corra, você só tem até 30 de junho para não se complicar pelo resto da sua vida”. Bem mais honesto que mostrar gente fazendo tirolesa.

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