Professores Cantores

Sempre que o Enem e outros tipos de vestibular se aproximam, as televisões de todo o país mostram os preparativos dos estudantes para as provas. Aquele cara que estuda 22 horas por dia, o que estuda 22 horas por dia e ainda pratica exercícios físicos diários, o outro que estuda 22 horas por dia, pratica exercícios físicos diários e ainda sai pra balada com os amigos, um último que faz tudo isso e ainda dorme oito horas diárias.

Os professores também são explorados. Os professores mais legais do mundo, aqueles que vão dar entrevista no Jô Soares, que contam piadas para explicar os teoremas de Pítagoras, que montam roteiros cinematográficos para ensinar a termodinâmica e que cantam para lecionar a fotossíntese. Ah, os professores cantores.

Se eu tenho uma felicidade na minha vida, esta felicidade e nunca ter tido um professor cantor durante a minha vida escolar. Professores cantores são uma espécie de praga que se alastra principalmente nos cursinhos pré-vestibulares. São cidadãos que desenvolvem uma didática performática, transformam a sala de aula em uma casa de shows. A canção da tabela periódica é a sua Hotel California.

Por um mistério da natureza, esses professores se transformam em ídolos da rapaziada. Os alunos adoram os professores artistas e essa fama os leva até o Jô Soares. Provável que depois sigam para shows de Stand Up, ou que gravem um disco em parceria com o Ary Toledo. Se esses professores tocarem violões, bem provável que eles cantem Leoni no intervalo das aulas e peguem todas as menininhas.

Pode parecer um cantor de rock progressivo dos
anos 70, mas este é Isaac Newton. Ele é o autor
de três leis promulgadas na constituição de 1988.
Uma delas diz que: se uma maçã cair na sua ca-
beça, vai doer razoavelmente.
Os professores cantores são especialistas em um dos mais nefastos gêneros desenvolvidos pela humanidade que é a paródia musical. Nada pode ser pior do que a parodia musical. Talvez, ter seus dedos mutilados e o corpo mergulhado em um barril cheio de guaraná Dolly, mas eu não tenho certeza ainda. A parodia musical faz um sucesso danado no Zorra Total e em sites especializados em charges animadas. Aliás, charges animadas com paródias musicais conseguem ser ainda piores do que as parodias isoladas.

Uma boa (?) paródia consiste em pegar uma melodia famosa e transformá-la em uma letra infantil, completamente débil-mental que desvirtua a música original, que geralmente já é uma porcaria, transformando tudo em um enorme monte fecal.

Sério, apenas de pensar em uma paródia, eu já começo a me contorcer e sentir uma raiva profunda dentro de mim. Ao pensar em paródias sobre xilemas e floemas, hélio e outros gases nobres, as três leis de Newton, eu sinto uma raiva profunda. Ainda mais ao pensar que nos tempos atuais, todas essas paródias devem ser em ritmo de funk. O funk veio e piorou tudo no mundo, imagino que anos 80 os professores deviam fazer paródias com músicas do Guilherme Arantes.

Os professores cantores ainda se utilizam de esquemas manjados, como dividir a sala em dois grupos e cada um é responsável por uma parte da letra, transformando o já grotesco momento da paródia em um bizarro jogral do conhecimento. Alguns devem inclusive improvisar um beatbox, levar uma gaita (Sandy não saberia a diferença), uma banda completa, com quarteto de cordas.

Mas, será que funciona tão bem? Será que os alunos tiram notas boas no vestibular ao se lembrar de uma paródia grotesca? Que durante uma questão ele comece a cantar, mentalmente ou não, “prepara que agora, é hora, do show da mitocôndria”. O hino nacional é uma música e trata de assuntos complexos e ninguém decora. Os 10 mandamentos não são uma música e ninguém decora também. E eu não entendi a relação que eu acabei de fazer.

Para que as paródias fossem melhores, elas deveriam deixar de ser paródias. Não há como uma paródia ser boa, essa é a quarta lei de Newton, o 11º Mandamento. Eles deviam partir para suas próprias composições, nem que para isso precisem buscar inspiração no ilícito, cheirando pó de giz.

Caso vocês não tenham percebido, esse texto inteiro é uma paródia que pode ser cantada no ritmo de "Diário de um Detento".

Agradecimentos inestimáveis para @DadoDoria que ajudou na concepção inicial desse texto há muito, mas muito tempo atrás mesmo. Tanto tempo que ele não deve mais nem se lembrar.

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