Fim interminável

O Rei do Blues, BB King, morreu no último dia 14 de maio, uma quinta-feira, provavelmente enquanto dormia. O mundo se comoveu com a morte de um grande músico, que, dizem, era gente boa e influenciou uma geração de guitarristas de blues.

Nós até já havíamos nos esquecido de sua morte – esse mundo é cruel e rápido, todo dia surge um novo fato marcante que não nos deixa tempo para sofrer e lamentar os fatos passados – quando surgiu a notícia de que seu velório seria no dia 22 de maio.

Quando a notícia sobre o velório foi publicada, eu achava até que ele já havia sido enterrado. Nas experiências que eu tenho com pessoas que morrem, o velório geralmente ocorre ao longo daquele dia e o cadáver é sepultado no dia seguinte, no máximo uns três dias depois, se o morto for famoso e o seu velório gerar comoção, ou se ele precisou passar um tempo a mais no necrotério para verificar as causas da morte.

Foram oito dias entre a morte e o velório. E até agora ele não foi enterrado.

Amanhã se completam duas semanas da morte do BBK e seu corpo ainda não foi coberto pela terra, ou mesmo queimado até virar cinzas, ou colocado em um barco de chamas no Rio Mississipi. O sepultamente ocorrerá apenas no sábado, incríveis 16 dias após sua morte.

Mais do que um lapso, ou talvez uma incompatibilidade de agenda das funerárias, tenho a impressão de que esse é um costume norte-americano. Sempre me lembro do James Brown, que seu velório ocorreu uns cinco dias depois e o enterro foi realizado dois meses após a sua morte (!!).

Na época, a razão da demora foi atribuída a disputa entre seus vinte filhos (!!) pelo destino final do cantor. Ano passado, o ex-motorista particular do James Brown (quando digo ex-motorista, não quero dizer que o cara deixou de dirigir, mas apenas constatando que um morto não tem motoristas particulares) afirmou que o Rei do Funk nunca foi enterrado, encontra-se até hoje embalsamado por aí. Por quê? “É difícil enterrar alguém quando se tem 20 filhos”, constatou o ex.

Esse poderia ser o problema do BB King, que tem 15 filhos. Mas, e o Michael Jackson? Ele teve “apenas”, três filhos, que ele amava e pendurava pela janela de quartos de hotéis espalhados pelo mundo. Ele morreu num dia 25 de junho, foi velado no dia 7 de julho e enterrado apenas em 3 de setembro. Mais de três meses entre bater as botas e finalmente comer o capim pela raiz.

Dar fim ao corpo de um morto realmente não é tão simples. Existem diversos trâmites burocráticos, custa caro e não existem tantas lápides disponíveis por aí e os fornos crematórios são raros. Mas, mais do que por questões religiosas, morais ou éticas, temos que encontrar um destino para o cadáver por uma questão de saúde pública e por praticidade.

O corpo do morto logo começará a ser devorado por bactérias, vai se decompor, gerar mau-cheiro, atrair insetos e ratos que transmitem doenças e etc. Tudo bem, a humanidade já inventou modernas táticas de embalsamento, que permitem que um cadáver sobreviva durante muito tempo, sem ser devorados por bactérias. Mas não há saída para o problema físico.

Um cadáver ocupa muito espaço. Mesmo que os corpos não apodrecessem, seria preciso arrumar um fim para eles, porque não sobraria espaço para tanto defunto assim no mundo. O que vocês faz com o corpo durante esses três meses, ou mesmo 16 dias? Ele vai ficar no necrotério? Escondido debaixo da cama, da escada, no centro da sala de jantar, na garagem, atrás de uma porta, dando sustos nas visitas?

Não deve ser fácil guardar o corpo de um morto. Deve dar um trabalho danado, igual a um sofá que você precisa mudar de lugar para varrer a poeira. Provável que alguém ainda diga “essa merda aqui atrapalhando o caminho!”. Seria muito mais fácil ter enterrado esse corpo nas 48 horas seguintes ao falecimento.

Por isso, eu digo: deixem claro nos seus testamentos que vocês pretendem ser enterrados com celeridade, para evitar transtornos e não virar um peso morto por aí.

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