Interior Macabro

Muitas vezes, planejar as suas férias é mais divertido do que tirar as férias propriamente ditas. Ok, isso é um pequeno exagero, mas, da mesma maneira que você sente aquele vazio quando as férias terminam, também é possível sentir um vazio quando o planejamento termina e só resta esperar a viagem chegar.

Um bom planejamento necessita muitas buscas, inclusive busca por imagens. Antes de definir hotéis e passagens, você precisa definir o lugar para onde você vai. E para isso, o Google é o seu melhor parceiro na procura pelo paraíso na terra. A busca por imagens do Google é uma ferramenta ideal, por mais que é claro que o local não será tão bonito quanto naquela foto extremamente produzida.

Nesse ano, estive pesquisando locais no nordeste. Além das capitais, procurei cidades e localidades próximas, em que fosse possível passar um dia, algumas horas. E então eu descobri: toda e qualquer cidade do interior do nordeste, na busca de imagens do Google, aparece um cadáver na terceira linha da pesquisa. É impressionante.
Don't Cross The Line

São Miguel do Gostoso no Rio Grande do Norte. Belas dunas, mar esverdeado, pessoas praticando kitesurf e... uma poça de sangue no chão. Penedo em Alagoas: o belo centro histórico, o rio São Francisco, casarões, igrejas, um cadáver boiando na piscina. Jacumã na Paraíba: falésias, piscinas naturais, o paraíso na terra e puta que pariu, um cadáver ensanguentado num tapete. Camocim no Ceará e lá estará um membro decepado em meio a fotos paradisíacas. São José da Coroa em Pernambuco? Em meio aos corais e bancos de areia haverá um cadáver caído numa rua de paralelepípedos. Tutóia no Maranhão reservará uma perfuração no abdômen. Sim, não há para onde escapar.

Após uma pesquisa dessas, será possível concluir que o interior do nordeste brasileiro é um cenário de miséria e caos homicida. Que o litoral é belo, mas sanguinolento, um cenário macabro. Mas, antes que você passe a concordar com muitos dos eleitores de Aécio Neves e passe a propor a divisão do Brasil, é possível refletir sobre os motivos para que as coisas sejam assim.

Muitas dessas cidades citadas são pequenas localidades, com menos de 5 mil habitantes. Se o cotidiano desses locais fosse tão violento, provavelmente não sobraria mais ninguém por lá. Os homicídios devem ser raros e, justamente por isso, todo e qualquer cadáver vira notícia. Deve ser uma pessoa que todos conhecem. “Viram que filho de Antônia foi morto com uma facada nas costas?”. Assim sendo, as fotos são vistas na internet e acabam indo pro topo das imagens relacionadas a cidade.

A partir dessa reflexão é possível chegar a outra conclusão: toda e qualquer cidade do interior é indexada a imagens de cadáveres no Google. Fiz o teste em Mato Grosso e pesquisei por Barra do Bugres. Entre uma outra foto aérea, lá está um cadáver dentro de um carro. Santa Cruz do Xingu, minúscula e isolada é premiada com um cadáver coberto por um lençol branco. A imortal Paranatinga nos revela um homicídio duplo logo na primeira linha, uma precocidade enorme para a carnificina.

Agora, se você buscar por Cuiabá, irá se perder por fotos aéreas e mapas e vai ter que penar para achar um reles cadáver. Maceió é a cidade mais violenta do Brasil e a quinta do mundo, mas a busca no Google não revela um mísero defuntinho, apenas praias de água verde e pessoas em trajes de banho curtindo a vida e comendo camarão. É mais perigoso viver em Maceió ou na pacata São Miguel do Gostoso? Não sei. Mas o Google não tem dúvidas. Contra toda e qualquer estatística e impressão, para o Google o interior é sempre macabro.

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