Menino das moedas

A figura da criancinha que economiza dinheiro para comprar alguma coisa é bastante famosa. Os jornais adoram reproduzir aquela matéria com o menino que durante um ano juntou todas as moedinhas que recebia do pai, obrigando o pai a contar aquela fortuna periodicamente. Quando um determinado valor era alcançado, o pai e o filho iam até uma loja para comprar um videogame.

Todos nós nos lembramos da cara do vendedor, tendo que contar aqueles dois mil reais em moedas, sorrindo para as câmeras, tentando esconder a raiva. “Moleque filho da puta, pai canalha, acabaram com o meu dia pra contar essas moedas, lazarentos”, pensava.

Nessa semana, o mundo foi novamente surpreendido com uma versão amplificada da história do menino poupador. Thiago Morales tem 10 anos e mora no interior do Paraná. Nos últimos três anos ele juntou suas economias para comprar um... carro. Sim, ao invés de comprar um videogame, ou uma televisão, ele comprou um carro. Não, não é um carrinho Hot Wheels, uma miniatura 1/13 ou um carro guiado por controle remoto. Ele comprou um fusca, de verdade.

Pense que Thiago, por três anos se privou de gastar seu dinheiro com qualquer coisa que possa fazer uma criança feliz – bala sete belo, figurinhas da copa – para comprar um carro que, de acordo com a legislação vigente no nosso país, ele só poderá dirigir daqui a oito anos.

O feito foi estimulado pelo seu pai, que comprou um fusca com 13 anos, e que ele sempre gostou do carro e quis superar o progenitor. O garoto se lembra que sua avó lhe dava 10 reais e dizia “compra o que você quiser”, esperando que o garoto comprasse chocolates, mas que ele guardava na poupança para comprar o carro.

A cobertura da imprensa transformou Thiago em um exemplo. Não me surpreenderia se pressionarem para que ele seja o próximo Ministro da Fazenda. Vejam só, seus bundões que já passaram dos 30 anos e ainda estão crediário para comprar um armário de cozinha nas Casas Bahia. Vejam que esse fedelho, que ainda nem bate punheta, já conseguiu comprar um carro com o esforço dele. E, querem mais?, agora ele vai juntar dinheiro para reformar o carro. Ele nem sabe o que é fazer a barba e vai ter um carro novinho, exemplo de superação, da força de vontade. Nesse nosso país, só é pobre quem quer! Basta saber cuidar do dinheiro.
O Brasil que dá certo

Mas, eu vejo esse caso de uma maneira diferente. Penso no que está acontecendo com as crianças de 10 anos que querem, e compram, carros. Esses R$ 2.500 seriam muito mais bem investidos em balas sete belo. Ou não, talvez a felicidade dele esteja nisso aí, em chegar no colégio com o carro dele, causar inveja nos amiguinhos, ver todos eles babando.

Pepe Mujica poderia discursar na ONU sobre isso. Os carros são um belo exemplo de nosso consumismo, entupindo nossas ruas, poluindo o ar, com governantes estimulando a compra de carros e a construção de estruturas para esses carros, ao invés de investir em transporte público. Carros que se desvalorizam em regressão geométrica assim que saem da loja e depois de três anos são praticamente imprestáveis.

Vai brincar, Thiago.

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