A lição dos observadores de pássaros


A observação de pássaros é um hobbie com muitos adeptos entre os naturalistas, naturistas, hippies e maconheiros. É uma oportunidade de entrar em contato com a natureza e observar a vida animal em sua plenitude no céu e nos galhos de frondosas árvores. Quem se dedica a observar pássaros está atrás de raridades com penachos e cores excêntricas, não se contenta com sabiás e pombos.

O Brasil é um dos destinos preferidos dos observadores. Eles vem lá da Rússia, da Alemanha, da França e de outros países em que não há nada para se fazer, apenas para olhar os pássaros voando em seu habitat natural. Mato Grosso é o único estado brasileiro com três ecossistemas diferentes, o que o torna um paraíso natural para os observadores mais experientes.

Apesar de ser uma atividade que tem lá o seu charme, o observador de pássaros nos transmite um ar meio idiotizado. Ninguém entende qual é a graça de ir até um lugar distante para ficar vendo passarinhos, coisa que você faz facilmente no Google. A observação de pássaros seria um reflexo dessa sociedade que vive dentro de jaulas de concreto com hábitos que nos transformam em hipertensos e homossexuais¹.

Para escapar desse pré-julgamento, os observadores de pássaros passaram a dizer que praticam birdwatching, uma sacada de gênio. O birdwatching nada mais é do que uma simples tradução para o inglês do objetivo da atividade. Só que com muito mais glamour, com muito mais importância. Se o observador de pássaros é um idiota, o praticante do birdwatching tem um charme enorme.
Olha lá amor, uma rara espécie de B

Começo pelo fato de que é algo que você pode praticar. Você não pratica a observação, mas pratica o birdwatching e no momento em que você se declara um praticante, o sol brilha de maneira especial sobre você. As pessoas já te imaginam com uma roupa diferente, equipamentos de segurança sofisticados e viagens até lugares paradisíacos. Sua vida ganha um clima de comercial de carro offroad.

O birdwatching se afasta do campo da pasmaceira e se aproxima de uma atividade radical como paragliding ou crowdsurfing. A adrenalina corre nas veias.

Os observadores de pássaros, aliás, deixam um legado e mostram um caminho para uma série de outras atividades. Basta colocar o nome do ato em inglês que ele ganha importância e passa a ser aceito pela sociedade.

Por outro lado, a observação de pessoas
fantasiadas escrotamente de pássaros,
jamais vai ter qualquer glamour
Na última semana, enquanto era anunciado como coordenador de alguma coisa da CBF, Alexandre Gallo mostrou como o inglês dá importância as coisas. Em sua coletiva, ele falou em “gap” pelo menos 18 vezes. Ninguém entendeu nenhuma delas, mas olhou com respeito e admirou sua sabedoria.

Cito o caso dos besuntadores. Se alguém fala em público que pratica a besuntação, que gosta de passar substâncias pastosas no próprio corpo com fins recreativos, logo será olhado como um louco, um demente que necessita de tratamentos psiquiátricos, de uma interdição de uma lobotomia. Agora, e se a prática ganhasse um nome em inglês? Se ao invés de falar que você se besunta, você falasse que pratica o bodygreasing?

Bodygreasing. Veja a sonoridade. “Eu pratico o bodygreasing”. Na mesma hora as pessoas irão olhar para você com respeito. Aquela luz irá se acender sobre a sua cabeça e todos irão imaginar que você utiliza uma roupa especial e tecnológica, que utiliza equipamentos de segurança sofisticados, que é um profissional no assunto, que enche a mala do seu offroad com equipamentos bonitos e diferentes e vai até um lugar paradisíaco e de difícil acesso para praticar o seu hobbie. Você é um cara legal.

Outras atitudes tolas, diria estúpidas, da nossa sociedade poderiam ganhar outra dimensão se tivessem um nome em inglês. Pessoas que conversam com vozes na cabeça poderiam dizer que praticam o headvoicing, aquele bom e velho cuecão da sétima série se transforma em underwearnecking e por aí vai.

¹Estudei em um colégio salesiano minha vida inteira e por lá haviam missas todos os meses. Uma vez, um padre mais conservador fez um discurso citando pesquisas com macacos que viveram em celas de concreto e que após alguns meses eles haviam virado hipertensos e homossexuais. Concluiu então que os homens que vivem em apartamentos também ficariam hipertensos e homossexuais.

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