Quando alguém vira Seu

Edson e Eduardo poderiam formar uma dupla sertaneja de sucesso, se assim eles quisessem. Pelo menos um nome para o estrelato eles já teriam. No entanto, Eduardo e Edson eram os nomes de dois motoristas do jornal Diário de Cuiabá, na época em que eu trabalhei no referido veículo impresso. Os dois dirigiam carros parecidos e, de cabeça, não me parece que havia uma diferença discrepante de idade entre eles. Mas, havia algo que os diferenciava: um deles era conhecido como Seu, no caso, o Seu Edson.

Qual dos dois é conhecido como Seu?
No meu atual trabalho, dois dos quatro motoristas são conhecidos com Seu, os dois mais velhos. Temos dois auxiliares de fotografia por aqui, com o mesmo tempo de casa e a mesma idade. Apenas um deles tem a alcunha Seu antes do seu nome, o que tem mais cabelos brancos.

Quando chamamos alguém de Seu alguma coisa, demonstramos certo afeto, mas também um respeito. Só adquiri o título de Seu, aquele que tem muita história de vida, uma trajetória digna. É quase como um título honoris causa sem o uso de chapéus ridículos. É como ser condecorado pela rainha, mas sem precisar puxar o saco de ninguém.

Mas, quando e como é que uma pessoa passa a ser merecedora desta denominação? Podemos dizer que existe um momento chave, em que todo o mundo olha para o cidadão e percebe que aquele ali está um legítimo Seu. Voltamos ao Seu Edson. Podemos imaginá-lo a vida inteira sendo chamado de Edson, até que um dia alguém olhou para ele e disse “Seu Edson” e então um cenário dramático se fez e as pessoas passaram a reverenciá-lo.

Primeiro, não podemos negar que a questão da idade é fundamental. Jamais veremos um cara de 30 anos sendo chamado Seu Vinícius. Também há a questão do aspecto. Os Seus certamente utilizam sapato, calça social e camisa carcomida, ou não. Um Seu nunca será um cidadão de tênis, sapatênis, calça jeans desbotada ou camisa polo com brasão e número aleatório. Aliás, esses cidadãos são mais conhecido como tiozões fracassados.
Seu Jorge é uma clara exceção, uma vez que sua personalidade artística está acima da sua condição humana. Podemos ter certeza de que quando ele tiver 80 anos, será conhecido como Seu Seu Jorge

O nome também é importante. Nomes como Francisco e Benedito combinam melhor com um Seu do que nomes modernos como Lucas e Cauã. Você imagina que alguém será um dia chamado de Seu Cauã? Com certeza não.

Há uma espécie de efeito dominó nessa situação. A partir do momento em que a pessoa é reconhecida como Seu pela primeira vez, e assim ela é denominada publicamente, todos os outros passam a achar que seria uma espécie de desrespeito não chamá-lo assim. Exceto nos casos em que o sujeito já passou dos noventa anos, onde é praticamente impossível não chamar alguém de Seu. Menos os Cauãs, é claro. Ninguém chamado Cauã deve passar dos oitenta anos.

A vida, inclusive, pode ser torturante se você pensar que um dia você será uma pessoa conhecido com Seu Fulano. Ou o equivalente feminino, até mais ofensivo que é o Dona. Podemos ver todos esses cidadãos e ver suas fotos de criança e de certa forma perceber que eles já estavam marcados desde a hora em que nasceram. Nascemos, crescemos, nos reproduzimos, passamos a ser conhecidos como Seu e morremos. É o ciclo da vida.

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