Jornalismo na Prática

Ele era jornalista
Na última sexta-feira eu encontrei uma amiga minha no supermercado. Ela já estava passando no caixa e eu estava entrando. Ela me perguntou se eu estava fazendo compras mais avançadas e eu respondi que não, disse que estava ali apenas para comprar pão. Já eram quase 21h e ela achou estranho o fato de eu estar ali apenas para comprar pão. Respondi que eu precisava comer alguma coisa e ela contra-argumentou que existem coisas melhores para se comer. Não neguei.

Apenas então eu trouxe uma informação importante que não estava clara o suficiente para minha amiga. Eram 21h e eu havia acabado de sair do trabalho. Passei no mercado para comprar um pão, depois comê-lo e então dormir. Minha amiga foi minha colega na faculdade de Comunicação Social. Ela fazia publicidade, enquanto eu fazia jornalismo, mas antes mesmo de se formar percebeu a barca furada em que havia embarcado e foi fazer Direito. Diante da minha situação, ela apenas mencionou: “que vida triste”. Não discordei.

Nos idos de 2007, inacreditáveis sete anos atrás, escrevi o texto mais clássico e reproduzido da história deste blog. A prática do jornalismo circulou na internet com autoria anônima e parou em aboutmes do falecido Orkut. O texto era um lamento sobre a minha condição de estudante de jornalismo e os trabalhos, matérias, artigos, resenhas que eram fabricados diariamente no curso e a sensação de estar sendo sufocado pela quantidade de material produzido. Eu estava errado.

Como tudo na vida, a faculdade era apenas uma pequena representação, um ensaio para o que viria depois. A vida real é muito pior. Os tantos trabalhos que consumiam a vida do estudante e provocavam envelhecimento precoce não significam nada perto do que é o mercado de trabalho. Sim, todas as informações que estão naquele texto são verdadeiras. Realmente o jornalista não vive e seus sonhos tem lead e sub-lead, porque o jornalista não tem nada melhor para sonhar. Agora, quanto aos pesadelos. Não é uma questão de reprovar em determinada matéria, mas sim, de demissão por justa causa.

Todo jornalista tem um lado masoquista. Por isso que nenhum de nós entendeu o sucesso da série de 50 tons de cinza. Achar graça no sofrimento já é a nossa vida. Os grandes dias, aqueles inesquecíveis, invariavelmente começaram às sete da manhã em um assentamento quilombola e terminaram depois da meia noite, com um triplo homicídio na porta de um shopping e com os jornalistas realmente carregando o fétido cheiro das ruas.

Se reclamamos? Não. Achamos graça e contamos vantagem de como nós sofremos naquele dia. Minha vida era triste aos olhos minha amiga no supermercado. Para mim, era apenas um dia normal, como tantos outros. Muitos de nós somos contratados para jornadas de cinco horas, como prevê a lei, mas essas cinco horas sempre acabam se transformando em pelo menos sete, sem hora-extra. Sofrimento que serve ao exibicionismo, mas que mata lentamente, associado ao consumo de drogas, legalizadas ou não.

Não esquece de assinar a matéria
O jornalista vive, basicamente, de informação. Um dos seus atributos, senão o principal, seria o de ser claro para transmitir essa informações. Imagine um engenheiro que não sabe fazer conta e não se surpreenda ao saber que alguns jornalistas não sabem escrever. Não que eles não deveriam ter se formado. Alguns não deveriam ter sido aprovados para o Ensino Médio.

Também convivemos com vários profissionais que estão na profissão apenas para passeio, para tirar vantagem das situações, dar carteiradas, ir a jantares, assistir espetáculos de graça, ganhar uma ajuda financeira pra promover uma festa de família, praticar pequenas extorsões para não divulgar notícias negativas, vender o espaço informativo para quem pagar mais, enfim. Mas não iremos falar de ética, porque esse é um problema existente em várias profissões. A questão é que os desvios éticos dos jornalistas podem gerar matérias no Jornal Nacional que desgraçam a vida dos envolvidos, provocam linchamentos, falências e suicídios.

Talvez seja por isso que os jornalistas são tão odiados por boa parte das fontes. Aliás, eu diria que existem basicamente três tipos de fontes: 1) os que odeiam os jornalistas e que gostariam de descarregar um 38 na hora da entrevista; 2) os que querem usar o jornalista para manipular uma situação; 3) aqueles que simplesmente dão as informações necessárias. Este tipo é cada vez mais raro e alerto as entidades responsáveis para a necessidade de incluí-los na lista de espécies em extinção.

Ai no meio entram aqueles que falam mal do chefe durante a entrevista, você publica e depois ele te liga perguntando como é que você colocou aquilo na matéria. Aqueles que acham que você é burro porque não está conseguindo entender plenamente o funcionamento das placas tectônicas e que isso te torna incapaz de conviver em sociedade. Não consegue entender que no dia anterior você estava tentando ser um especialista em drenagem de gramados e saindo dali iria se especializar em acessibilidade no transporte público.

As condições de trabalho, aliás, não são das mais fáceis. Já falei das jornadas prolongadas, da ausência de horas-extras e demais benefícios trabalhistas. Pois ainda tem o problema dos salários atrasados e das demissões sumárias por conta de uma nova política da empresa contratante. Alguns casos são tão absurdos que o jornalismo é praticado em situação análoga à escravidão.

Pois, neste dia 7 de abril essa classe tão sofrida comemora, ou lamenta, o seu dia. Aliás, uma data polêmica, porque existem seis dias do jornalista, prova da desunião da classe. O dia 24 de janeiro, que é o dia do padroeiro da causa – por incrível que pareça não é o Santo Expedito, aquele das causas impossíveis; 29 de janeiro, sem nenhuma razão; 16 de fevereiro que é o dia do Repórter; 07 de abril, hoje, a data oficial; 3 de maio que é o dia da Liberdade da Imprensa e 1º de Junho, dia Imprensa, em homenagem a publicação do primeiro jornal em solo nacional.

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