Samba-Enredo Campeão

Na última quarta-feira o Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos da Tijuca se sagrou campeão do carnaval carioca com o enredo “Acelera, Tijuca”. Trata-se de uma suposta homenagem ao piloto e ídolo nacional Ayrton Senna, representado na Marquês de Sapucaí por um bailarino meio afetado.
Felipe Massa, não entrou

A Unidos da Tijuca ficou famosa nos últimos anos pelo seu carnavalesco, Paulo de Barros, que inovou no carnaval ao enfiar sósias de Michael Jackson, alas coreografadas e mais um monte de frescuras. Como sua fama precede a qualidade, a Unidos da Tijuca foi campeã com um samba mequetrefe, com rimas bem pobres e um desfile que misturou Papa Léguas, Ligeirinho, Usain Bolt e picolés de chocolate ao tema “Ayrton Senna”.

Logo no começo temos:
“Vai começar / Libere a pista para a emoção / Foi dada a partida, prepare o seu coração”

Uma rima de emoção e coração logo no começo. Mesmo a minha professora de sexta série, Sandra Regina, que queria instituir uma linha de produção de poesias em sala de aula, iria desaprovar e dizer que essa é uma rima pobre. Na sequência, o letrista apela para o nonsense e desconhecimento geral sobre a vida, como um todo.

“Dos animais, agilidade / A inspirar velocidade / Impressionante a ousadia / A internet ultrapassou a energia / A equipe anunciou, no pit stop o piloto parou”

Dos animais agilidade a inspirar a velocidade. Novamente minha professora Sandra Regina faria um sinal negativo com a cabeça. Porque a ousadia é impressionante? O que a internet tem a ver com essa história, caralho? E o Pit Stop é o ato em si, o único Pit Stop em que alguém pode parar é em uma lanchonete do interior com esse nome.

“E lá vão eles na pura cadência do samba / Numa corrida maluca repleta de bambas / Tentando trapacear, deu mole, rodou na pista / Ficou pra trás o vigarista”.

Subitamente o tema do samba-enredo muda para Corrida Maluca. Aliás, acredito que até o presente momento o compositor trabalhava com a hipótese de que o enredo realmente era “Corrida Maluca” e só depois que alguém avisou “mudamos pra Senna!”, e aí o cara teve que se virar pra mudar o assunto bruscamente, na última volta. Confiram:

“Rompendo barreiras, superam limites / Atletas buscando o primeiro lugar / Quando de repente pisando no breque / Vi no calhambeque alguém acenar / Na última volta do meu carnaval / Desponta um gênio talento imortal / Trazendo nas mãos a bandeira do nosso país / Na reta, a consagração / O tema a emocionar / Lá vem o campeão / Voando baixo pra vitória alcançar / Acelera Tijuca, eu vou com você / Nosso lema é vencer / Guiando o futuro que um sonho construiu / Ayrton Senna do Brasil”.

Se eu fosse jurado, teria lascado um 0 em samba-enredo e condenado a escola ao rebaixamento. Ou não, porque eu provavelmente meteria zero me pelo menos metade das escolas que desfilam letras pavorosas e que tentam abraçar o mundo carnavalesco (Egito, Escravos, Bambas Imortais, Pequenos Produtores Rurais) associados aos mais diversos ganchos, variações do mesmo tema sem sair do tom.

Ainda poderíamos argumento que algum lapso, um vírus maligno que infestou a capacidade intelectual dos analistas e eles não perceberam que estavam diante de uma besteira sem tamanho. Não é verdade. Ao longo dos anos, o carnaval carioca tem premiado temas bem bizarros.

Acredito que tudo começou em 1993, quando a Imperatriz Leopoldinense foi campeã como “Catarina de Médicis na corte dos Tupinambôs e dos Tabajéres”. Fascinados com a capacidade que alguém tinha de contar essa história, os jurados premiaram a Escola com o título e influenciaram as concorrentes. Na virada do século, a Imperatriz conseguiu o tricampeonato, divulgando temas como “Brasil, mostra a tua cara em 'Theatrum Rerum Naturalium Brasiliae'” e, o meu preferido, “Cana caiana, cana roxa, cana fita, cana preta, amarela, Pernambuco, quero vê descê o suco na pancada do ganzá”. Nem Caetano Veloso conseguiu decifrar.

A tradição foi repassada para a Beija-Flor que conseguiu centenas de títulos no começo dos anos 2000, com temas como “Macapabá: Equinócio Solar, Viagens Fantásticas no Meio do Mundo”, “O vento corta as terras dos Pampas. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Guarani. Sete povos na fé e na dor... Sete missões de amor” e “Manôa, Manaus, Amazônia, Terra Santa... Que alimenta o corpo, equilibra a alma e transmite a paz”.

Por isso que esse blog defende, mais do que isso, desafia as escolas de samba a realizarem um desfile com o tema “Frango Frito”.

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