As Horas Malditas

Acordo e vejo no meu celular que são 10h30 da manhã do domingo. Tudo bem, esse é um bom horário para se acordar em um domingo. Acontece, que este não é um domingo qualquer. Estou no primeiro dia após o final do horário de verão e eu não sei se o meu celular está marcando o horário correto. É o meu primeiro horário de verão com este aparelho e não sei como é o seu modus operandis, se ele se atualiza automaticamente ou não. Meu antigo celular me perguntava, esse aqui eu não sei.

Vou até o banheiro e na volta o meu celular toca. Estranho o fato de alguém estar me ligando na manhã de domingo, ou melhor, em qualquer horário, já que eu recebo poucas ligações. O número que me liga não está na minha agenda e penso que é engano, mas do outro lado da linha está uma amiga minha, que me pergunta se eu posso entrar em contato com o Vinícius. Ela me explica as razões, aparentemente um fato nebuloso.

Olho no relógio da cozinha e são 10h52. Sinal de que meu celular está certo. Ou não. Meu pai acertou o relógio da cozinha? Olho no celular do meu pai e são 10h53, sinal de que todos estão certos ou todos estão errados. Olho o horário da Sky e ele bate com todos os outros. Mas a Sky está certa? Como vou saber se o cara responsável por ajustar o relógio fez a mudança correta. A pior coisa do horário de verão é você não ter certeza se os relógios estão certos ou não no dia em que ele começa e no dia em que ele acaba.

Ligo para o Vinícius e ele não me atende. Preocupante. O fato é que na noite anterior, Gressana esteve em um bar e uma garota estava junto com ele. Essa garota não voltou para casa, seu carro estava abandonado no meio da rua e ela não atendia o celular. Logo, ela estava desaparecida. O fato de que o Vinícius não estava atendendo minhas ligações também o colocava na lista de pessoas desaparecidas. Comecei a imaginar sua fotografia estampada nos botijões de gás.

Tudo bem, você pode dizer que as horas são apenas uma convenção e se quiser pode até alegar que é uma invenção do sistema capitalista para explorar sua mais valia em empregos maçantes e desumanos e que num passado remoto as horas passavam mais devagar e que isso a Globo não fala. Mas essa sensação é horrível. E se meu pai tivesse acertado o relógio e depois minha mãe também. Ninguém sabe que horas são. Meu relógio marcava 11h e Vinícius Gressana continuava desaparecido.

Naquela hora, tudo estava nebuloso ainda. Aliás, algumas coisas ainda estão. Eu só pensava que eu estava ferrado, que eu teria que ir até o Carnicentas e depois partiria em uma busca cega pelo Vinícius, ao lado de um Papai Noel narcotraficante, ou de um cachorro sem braços, enfim, ferrado. Recebo uma mensagem no Whatsapp da minha namorada, ela me pergunta se o Vinícius já foi encontrado. Ferrado.

Pelo jeito, a situação era grava. Pensei que o Vinícius poderia ter sequestrado a garota, cortado-a em cubos rigorosamente semelhantes e guardado tudo na geladeira. Pensei que os dois poderiam ter sido sequestrados e picotados simetricamente. Ou fugido para as Bahamas, ou quem sabe para um acampamento hippie em Jaú. Vinícius já não era mais aquele garoto sorridente e cheio de sonhos que conhecemos na faculdade.

Penso em abrir os sites de notícias e conferir se a foto dele já estava estampada nas principais manchetes. “Jovem desaparecida. Amigo é principal suspeito”. Pensei se o CH3 seria citado em sua biografia e se assim este blog teria repercussão pela primeira vez, apareceríamos até no Jornal Nacional. Entrei no Facebook e Vinícius não estava online e nem havia feito nenhuma atualização na sua página nas últimas horas. Recebo nova mensagem de minha namorada explicando que duas pessoas entraram em contato com ela pedindo meu telefone para ter mais informações sobre o Vinícius.

Começo a pensar em uma nota pública de esclarecimento sobre o caso e como seria seu obituário. Antes, resolvo ver o Whatsapp e vejo que ele estava online quinze minutos antes e me tranquilizo. Ele ainda está vivo, ou os sequestradores estão batendo papo na internet dele. Mando uma mensagem para o Vinícius e em três minutos ele me responde. Logo descubro que ele está bem e que a menina já estava na casa dela.

O fato é que os dois saíram na noite anterior e a menina ficou sem condições de dirigir. Vinícius deu uma carona para ela até sua casa, onde ela apagou, junto com a bateria do seu celular. Domingo de manhã a situação foi resolvida, mas o caos foi criado. Ele me manifestou sua surpresa pelo fato de as pessoas saberem que ela esteve com ele na noite anterior.

Esse ainda é um grande mistério, amplificado no momento em que soubemos o estabelecimento onde os dois estavam. Não, não era o Carnicentas, mas chegava perto. Ao que tudo indica, a mãe da menina acordou no domingo de manhã e não viu a filha em casa, ligou para ela que não atendeu e então encontrou seu carro abandonado na rua. Como ela encontrou esse carro? Cuiabá não é uma cidade tão pequena assim para se encontrar o carro de alguém abandonado na rua. A mãe então entrou em contato com uma amiga da sua filha que misteriosamente sabia que ela esteve com Gressana, o suspeito.

A amiga então entrou em contato com a Maíra, que me ligou no começo do texto, perguntando se ela tinha o telefone do Vinícius. Ela não tinha e ninguém sabe por que ela escolheu falar com a Maíra, uma vez que as duas não são amigas no Facebook. Maíra ligou para outro amigo, perguntando se tinha meu contato, ele não tinha e ligou para minha namorada, que repassou o meu telefone para ele, que repassou para a Maíra, que ligou para mim, que liguei para o Vinícius, para ligar para a Maíra, que avisaria a amiga, que avisaria a mãe da menina: Marcelo Freixo é o culpado.

Restaram muitas dúvidas, mas ninguém morreu. Antes de encerrar a conversa no WhatsApp, Vinícius me perguntou “O horário de verão acabou, que horas são agora?”. Respondi que eram 13h14.

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