Roteiro de um evento qualquer

O povo vai as ruas, o povo vai aos shoppings, o povo vai à merda. Não importa o movimento, ele sempre seguirá o mesmo roteiro.

1) O evento acontece. Foi marcado pela internet, por telefone ou por pombo correio. A população que não estava acostumada com isso fica chocada e a polícia não sabe como reagir. A imprensa notícia brevemente o fato e não dá muita importância.

2) O evento volta a acontecer. A situação toma ares de calamidade pública. A imprensa teme pela segurança da família brasileira e conclama que as autoridades solucionem o caso. As autoridades se pronunciam e prometem medidas duras para conter qualquer violência. A polêmica chega ao Facebook e as pessoas começam a se dividir entre apoiadores e contrários.

3) Novamente o evento acontece e a polícia desce o cacete nos envolvidos. A imprensa anuncia que a polícia usou da força para combater os vândalos e se dá por satisfeita. A violência policial choca parte do público que começa a questionar o porquê daquilo tudo. Autoridades defendem a ação da polícia. A polícia se defende.

4) Leonardo Sakamoto pública um texto defendendo as pessoas que participaram do evento. Surgem dezenas de vídeos mostrando abuso policial. A discussão começa a ganhar um ar filosófico e a imprensa começa a ser acusada de manipulação. Autoridades mudam o discurso e dizem que o evento é legítimo, desde que feito de maneira pacífica.

5) O embate começa a tomar ares de direita x esquerda. Surgem textos que claramente defendem o que ocorreu e prometem explicações definitivas para o que aconteceu, utilizando palavras como “etnologia”. Até quem era contra começa a se mostrar a favor e dar o seu ponto de vista. O Globo News faz um programa especial para discutir o assunto. Vários outros eventos são marcados em vários lugares do país.

6) O evento volta a acontecer. Metade dos seus participantes são estudantes de Ciências Sociais. O embate direita x esquerda vai para as ruas. Os velhos adeptos reclamam dos novos e criticam a apropriação de discurso de quem não tinha nada a ver com aquilo. A imprensa comemora o caráter pacífico do evento e lamenta a presença de poucos vândalos. A internet é infestada de vídeos de pessoas utilizando a máscara do V de Vingança prometendo guerra.

7) Os eventos acontecem todos os dias e o Globo News começa a transmiti-los ao vivo, de helicóptero. Os idealizadores do evento dizem que não tem mais nenhuma ligação com o que está acontecendo e volta pra casa. Surgem os Black Blocks.

8) O evento virá uma batalha de fotos do Instagram. As pessoas descobrem que o Mídia Ninja transmitiu todos os eventos realizados em São Paulo desde o começo. Um carro da imprensa é queimado.

9) O evento começa a perder a graça e os Black Blocks viram a única notícia. A população começa a cobrar atitudes da polícia que parece não estar nem aí, como se falasse “não estava ruim pra vocês? Olha no que deu”. Pablo Capilé é entrevistado na TV. A discussão passa a ser entre Velha Imprensa e Nova Imprensa.

10) Ninguém mais vai ao evento, ninguém mais comenta. O Globo News volta a discutir a inflação. Um reality show entra na sua reta final. Pablo Capilé responde críticas. Leonardo Sakamoto publica outro texto. Outra discussão idiota começa no Facebook. Pessoas postam fotos de comida no Instagram. Tudo continua igual.

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