Previsões, Perdas e Danos - Parte 5

O Papai Noel tinha um hábito curioso de xingar todos os motoristas que demonstrassem um mínimo de hesitação em qualquer ação do trânsito. Passou devagar no quebra-molas, pegou um buraco em cheio, fez a curva fechado demais, cortou a rotatória ao meio, furou o sinal descaradamente, não importa. O mais curioso é que não eram simples palavrões. O Papai Noel criava expressões idiomáticas excêntricas para ofender os outros motoristas. “Seu aprendiz de chupeteiro!” dizia para um, “engolidar de rolas rotundas”, dizia para outro, os motoqueiros eram motobichas e alguns mereciam o status de “filha da puta completo”. Quando se deparava com um “filho da puta completo”, ele passava a discorrer sobre a espécie, como se estivesse diante de um animal imponente.

Entre uma ofensa e outra ele começou a nos contar o que havia acontecido naquelas primeiras horas do ano. “Vocês falaram que iam para a rua e um pessoal resolveu ir junto. Aquele delinquente juvenil tomou o volante, aquele velho tarado sentou no banco da frente e vocês resolveram ir todos espremidos no banco de trás”. Bom saber que mesmo alterados, nenhum de nós havia perdido o senso totalmente.
- A rua estava vazia, nenhum filho da puta nela. Então meu telefone tocou, um parceiro meu disse que estava numa merda e pediu minha ajuda.
- O que aconteceu?
- Ele foi desviar de um buraco, perdeu o controle do carro e acertou dezenove carros que estavam parados no centro político.
- Porra, dezenove carros!
- Ele é foda, ele bota pra quebrar!
- Mas o que aconteceu?
- Não houve sobreviventes.
- Caralho! Morreu todo mundo?
- Não, não tinha ninguém no carro, então ninguém sobreviveu a batida, hahahaha, porra.
- E quem é esse cara?
- Amigo meu, vocês não conhecem.

Neste momento, já estávamos nos dirigindo até o local do incidente, como se para poder ver tudo aquilo com nossos olhos. Lá havia três carros ainda parados e quatro cidadãos conversando com dois policiais. Estacionei o carro e na mesma hora um dos caras apontou.
- São eles! Olha o Papai Noel!

Armado com um pedaço de pau ele veio em nossa direção perguntando onde é que estava aquele viado barbudo. Papai Noel achou que era uma provocação e a Polícia precisou intervir. Neste momento, por sorte, pude observar que o policial era um amigo nosso. Ele começou a nos contar que os quatro cidadãos estavam fazendo um B.O., dando conta de que deixaram os carros estacionados ali porque estavam nas proximidades do local, quando escutaram um barulho e se deram conta de que um sujeito não identificado havia atingido todos os 19 carros que estavam estacionados. Eles discutiam amigavelmente o que seria feito, quando um veículo estacionou e de dentro dele desceu um sujeito vestido de Papai Noel, gingando capoeira e arremessando balas de caramelo contra eles. Antes que pudessem ter qualquer reação, outro cidadão seminu – era você Vinícius? – surgiu do nada e começou a esfregar seu pênis nos carros. Chocados com a cena, tentaram conter o cidadão que passou a molestar todos os presentes e enquanto isso o Papai Noel e o provocador do acidente fugiram.

Questionei o que eles estavam fazendo no Centro Político de madrugada e eles desconversaram. Insisti na pergunta e um deles falou “deixa pra lá pessoal, essas coisas acontecem”. Foi então que outro dos protestantes apontou para o Vinícius e falou “eu conheço você de algum lugar”. Fez-se um silêncio sepulcral enquanto os dois se encaravam. O cidadão pensou um pouco e disse. “Peraí, você é o Feliz?”. Vinícius confirmou e os dois passaram a conversar sobre quadrinhos, videogames e o sujeito ainda pediu um autografo.

Aproveitei para conversar com o policial e avisar que Tackleberry estava desaparecido. Perguntou que informações nós tínhamos sobre o caso e eu contei tudo o que eu sabia. Ele me disse que assim que soubesse de alguma coisa, ele me avisaria. Perguntei se seu número de celular ainda era o mesmo de sempre e para variar, não era.

Voltei com Vinícius e com o Papai Noel para o meu carro. Perguntei ao Papai Noel o que havia acontecido depois deste incidente no CPA e que eu daria uma carona até a casa dele. Ele falou que nós fugimos e pegamos a estrada da Guia. O Tackleberry falou que já estava com fome e o Vinícius deu a sugestão de ir comer um pastel em Jangada. Todo mundo achou a ideia muito divertida e nós fomos até lá. Infelizmente, não havia uma única pastelaria aberta na cidade e todas as pessoas pareciam estar dormindo. Resolvemos voltar com o estomago vazio e ele disse que queria dar uma mijada, mas não uma mijada qualquer, tinha que ser na curva em que o Chico Gil morreu. Ele deu a sugestão de que nós poderíamos assistir o nascer do sol ali. Também resolveu surrupiar uns milhos que cresciam na beira da estrada e abriu o porta-malas para guarda-los. Neste momento, nós o empurramos para dentro e fechamos a porta. O carro ainda circulou algum tempo e ele tirou um cochilo. Depois de um bom tempo parado, resolveu tocar umazinha.
- Como você consegue dormir no porta-malas? – perguntou o Vinícius.
- Estou acostumado. – respondeu o Papai Noel.
- Como assim?
- Vocês não conhecem nada dessa porra dessa vida.

Neste momento o telefone de Tackleberry começou a vibrar no painel do meu carro. O número não estava registrado na agenda. Atendi e era uma chamada a cobrar. Resolvi desligar, não ia fazer uma sacanagem dessa com o cara.

Continua

Comentários