Um Dia é da Caça, o outro...

Ninguém contesta que Silvio Santos é um mago. Um antigo vendedor de bugigangas na barca Rio Niterói que se transformou em um megaempresário que comanda um Império de Telecomunicações. Duvido que alguém, vendo aquele cidadão de aparência exótica vendendo óculos escuros numa balsa, diria “esse cara ainda vai ser o dono do mundo”. Chupa Steve Jobs.

Silvio se consagrou por se divertir no trabalho, aquela lógica que não se aplica a 98% da classe trabalhadora. Seu Topa Tudo Por Dinheiro era um clássico que juntava pessoas descendo um tobogã equilibrando copos de groselhas e pessoas caindo dentro de uma piscina. Tudo pelo dinheiro¹. Havia um sadismo na desgraça daquelas pessoas em situação deprimente. Silvio ria delas. E nós riamos juntos.

E claro, existiam as pegadinhas, a “Câmera Escondida”. Ninguém jamais irá se esquecer das atuações emblemáticas de Ivo Hollanda como pedreiro, recepcionista, agente incitador do caos. Se o mundo fosse um lugar mais justo, Ivo Hollanda já teria sido premiado com uma meia dúzia de Oscars. Ninguém jamais foi tão polivalente na hora de atuar.

De certa forma, o tempo foi um pouco cruel com o Silvio. A morte dos Mamonas Assassinas e a classificação etária na TV, que extinguiu a Banheira do Gugu, acabaram por sepultar o Programa do Gugu. O Baú passou a sofrer restrições na entrega de prêmios e a Record investiu pesado para ficar com a aparência de Rede Globo Brega. O próprio Topa Tudo foi superado pelo tempo.

Mas, como uma Fênix de topete e microfone no pescoço, Silvio ressurgiu. Aproveitou uma onda retrô e retornou com seu Topa Tudo Por Dinheiro, investindo pesado nas pegadinhas. Deixou de lado as situações cotidianas e passou a explorar o sobrenatural.

Silvio Santos explorou o medo que todo mundo tem de ficar preso no elevador e o elevou a enésima potência ao colocar uma menina fantasiada de fantasma lá dentro, gritando. Depois, a fantasminha foi substituída por um caixão com um defunto que, durante a pane, caía para fora do caixão e depois se levantava com chumaço no algodão e tudo.



Há uma enorme possibilidade de que o quadro seja armado, uma vez que vivemos na era do fake e dizem que aquele é o elevador do próprio SBT. Convenhamos, que qualquer pessoa que estivesse indo no SBT acharia no mínimo estranho ver um caixão na portaria sendo embarcado para o segundo andar.

Mas, vamos supor que seja verdade. Que dentro daquele elevador estejam cidadãos contribuintes entrando em algum prédio comercial que acabam sendo surpreendidos por uma menina fantasma ou por um morto-vivo prestes a começar o apocalipse zumbi. A maior parte das pessoas irá se contrair em medo e esperar a morte chegar. Muitas irão gritar. Poucas irão tentar manter a calma. Mas sempre há a possibilidade de que alguém tenha uma reação inesperada.

Não duvido que alguém, preso diante de um zumbi no elevador, resolvesse partir para a luta física. Que iria desferir três socos no defunto e ia ser uma confusão danada. Ou que acabaria dando uma bicuda na cara da menininha fantasma e ela seria arremessada com toda a força contra a parede. Pense na polêmica que seria uma garota de seis anos internada na UTI com lesão cervical e traumatismo craniano porque participou de uma pegadinha do Silvio Santos. Qual é a jurisprudência para isso?

SS seguiu a escola de pegadinhas do Sérgio Mallandro. Malandrovsky era famoso por simular situações em que alguém acabava só de cuecas, ajoelhado dentro de uma banheira ao lado de uma mulher seminua, com uma arma apontada para a sua cabeça. Tudo só para soltar o bordão “pegadinha do malandro!”.

Pois bem, recentemente o TTPD realizou uma pegadinha em uma rua, na noite profunda de São Paulo, na qual um anão vestido de Chuck, o Boneco Assassino², sai de dentro de um painel luminoso e ataca pessoas que esperavam um ônibus. As pessoas fogem desesperadas pelo meio da rua e todos nós rimos.



Ninguém morreu, mas eu só consigo pensar nas tragédias que poderiam ter acontecido. Pense que lá estavam pessoas cansadas após um dia de trabalho duro e que, como desgraça pouca é bobagem, ainda tem que fugir do boneco assassino em uma rua escura. Elas saem correndo pelo meio da rua e poderiam ter sido atropeladas por carros, ônibus e caminhões.

Ou pior. Esse poderia ser justamente o dia da caça. Um daqueles trabalhadores esperando o ônibus poderia sacar seu revólver e disparar quatro balaços no peito do anão ator. Seria uma tragédia e ninguém poderia negar que o cidadão agiu em legítima defesa. Ele assistiu ao filme e sabia como seria difícil enfrentar o boneco. Ele achava que não iria escapar e se surpreendeu quando se viu cercado por uma equipe de produção e um anão vomitando sangue e gritando de dor.

Um dia, alguém ainda vai morrer em uma dessas pegadinhas. Ou não. Cada vez tenho mais a impressão de que elas são montadas, não seria tão fácil assim remontar aquele cenário de vidro quebrado para tantas cenas.

¹Só não vale dar o cu, diria o Gil.
²Chuck o Boneco Assasino, por sinal, é o típico filme que só poderia passar no SBT.

Comentários