O Medo de Avião

O cantor bigodudo Belchior sofria de um clássico medo de avião. Diz a lenda que no final dos anos 70 ele se envolveu em uma viagem psicotrópica misturando Beatles, conhaque e James Dean, da qual ele se aproveitou para passar uma cantada em uma aeromoça e segurar na mão de outra moça qualquer, quase em um roteiro de filme pornô. Um franco atirador esse Belchior. O medo de avião não impediu que ele escolhesse um avião para desaparecer no Uruguai, alguns anos depois.

O fato é que todo mundo tem medo de avião, em menor ou em maior grau. Todo mundo fica tenso na hora em que a aeronave dá aquele primeiro solavanco ao passar por uma turbulência. O seu autocontrole é que vai definir se você vai fingir que continua lendo o jornal normalmente ou se você vai se jogar no chão e gritar desesperado em busca do assento flutuável e das máscaras de oxigênio.

Eu também tenho medo de avião. Mas o meu maior medo é de que aconteça uma situação inusitada dentro do avião, da qual você não poderá escapar. O fato é que não há como você fugir de lá se, por exemplo, a Maria Gadú for convidada para fazer um pocket show em frente dos banheiros da parte da frente.

O único paralelo possível com o avião é o elevador e Silvio Santos soube explorar bem isso numa série clássica de pegadinhas. É muito desagradável estar com um caixão dentro do elevador porque se ele quebrar, você vai ficar um tempão preso com o defunto lá dentro. No avião também. Com a diferença de que se você estiver em um voo São Paulo/Manaus, vai demorar muito mais e a Maria Gadú vai torrar a sua paciência e, lembramos, que os assentos são apenas flutuáveis e não servem como paraquedas.

Você deve estar rindo agora desse medo sem sentido, afinal, na sua visão inocente, não há a menor chance de que a Maria Gadú presenteie os passageiros com sua brilhante discografia shimbalaiêsca. Engano seu. Esse risco existe.
Tá rindo?
Algum tempo atrás eu vi uma matéria da revista da Gol sobre uma ação de marketing feita pela companhia aérea durante a realização do Skol Beats, um evento de música eletrônica patrocinado por uma cervejaria. Na noite do show, os voos que chegaram em São Paulo foram animados por um DJ e teve venda de bebidas alcóolicas. Tudo bem, as bebidas não são de todo ruim, mas o DJ é insuportável. E sabe o que é pior? Ninguém sabia de nada. Os passageiros estavam indo alegremente em um voo noturno para São Paulo, quando foram surpreendidos com a presença de um DJ a bordo. Terrível.

Não muitas semanas atrás, eu também vi uma matéria no Globo News sobre um grupo que fez uma apresentação teatral dentro de um avião. Sim, isso mesmo. Nada contra o grupo e contra a divulgação da cultura mas deve ser terrível estar dentro de uma peça de teatro quando você imaginava que estava apenas se locomovendo entre duas cidades.

Em breve, qualquer dia, você vai estar lá indo para Recife num voo com três horas de duração e será interpelado por uma peça de teatro contemporâneo. E lá, dentro do avião, eles irão enfiar o saco na sua cara, cuspir na sua cara e simular sexo com as bandejas e, repito, você não vai ter como fugir. Isso é um risco. É um filme de terror. Qualquer dia os passageiros irão derrubar o avião no chão, como naquele filme sobre o 11 de setembro.

Outra questão, essa aposto que você tem medo, é de criança chorando dentro do avião. Tem medo porque já aconteceu com você. Aliás, acontece quase toda vez. Não importa o local em que você se sente, terá uma criança lá dentro chorando. E esse é um dos maiores dramas que você pode enfrentar numa viagem. Já vi crianças que choraram uma hora de relógio, ou mais.

O drama da criança chorando no avião mexe com todos. Aliás, uma criança chorando em qualquer lugar já é uma situação dramática, mas dentro do avião a situação é potencializada justamente pelo isolamento do local que obriga todos a encararem a situação de frente.

Sempre haverá alguma mulher experiente por perto que irá ensinar os pais a como cuidar da criança chorona. Trará longas experiências e ficará falando com voz infantil, irritando ainda mais a criança que logo aumentará o seu choro. A aeromoça tentará intervir. Será montada uma força tarefa para fazer com que a criança cale sua boca e em algum momento, a única solução vai ser fazer um pocket show do Belchior, renascido, cantando sobre apertar a mão da aeromoça.

Não há para onde fugir.

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