Conhecido Anônimo

Todo dia eu, minto, estou dramatizando. Com alguma frequência indeterminada que pode ser de dois dias seguidos ou de uma vez por semestre, eu encontro um cidadão quando estou voltando do almoço para o trabalho. Parcialmente calvo, barba por fazer, cabelos que podem ser considerados ruivos. Ele trabalha em um prédio ao lado do meu e eu não sei o seu nome. Mas eu conheço ele.

Aliás, sei exatamente de onde é que eu o conheço. Certo dia, fui a uma premiação de jornalistas e me sentei na mesma mesa que ele. Não, ele não é jornalista. Apenas é casado com uma. Que eu também não sei o nome, nem nunca mais vi na minha vida novamente. Pois enfim, este cidadão estava ali na mesma mesa que eu, comentamos os locais onde trabalhávamos e desde então nos encontramos em períodos esparsos, sempre na volta do almoço. Minto novamente. Segunda-feira eu o encontrei indo embora pra casa.
Eu era aquele cara de verde nos protestos de 7 de agosto.

Você deve (des)conhecer inúmeras pessoas assim. O ex-namorado de uma prima da sua amiga, a irmã do chefe da sua mãe, o pai da namorada de um amigo da sua namorada. Você sabe quem é ele, até sabe de onde é que o conhece, mas dificilmente conhece o seu nome. Você sabe que ela sabe quem você é também. Que você é amigo da prima da ex-namorada dele, namorado da amiga do ex-namorado da filha dele, filho de um funcionária do irmão dela.

O problema é justamente o encontro, esse encontro casual. Vocês se olham enquanto puxam pela memória o lugar de onde se conhecem. Busca o nome em vão e se cumprimentam com leves acenos de cabeça acompanhador por sorriso. Ficam pensando se o outro se lembrou de você e concluí que já deve ter cumprimentado muitas pessoas que não conhece. Quando se lembra o nome pensa se não foi muito seco com a pessoa. O que será que ela vai pensar de mim?

O estranho é que essa pessoa não é íntima sua ao ponto de que vocês troquem duas palavras. Ele é tão íntimo seu quanto a caixa do supermercado que você vê todo dia, o drogado que pede dinheiro no sinal. Aliás, menos íntimo, porque você o vê menos que o drogado do sinal. Só que você se sente obrigado a cumprimentar a pessoa e fica até frustrado se o cumprimento não for correspondido. Parece que existe algum laço pelo fato de você já ter sentado na mesma mesa de jantar que o indivíduo.

Quando esse encontro é rotineiro, como é o meu caso com o ruivo marido da jornalista que sentou na mesma mesa em que eu estava num prêmio da categoria há quase dois anos atrás, fica ainda pior. Depois de um tempo, quando você já não tem mais paciência para acenos de cabeça acompanhados de sorriso, os dois passam a fingir que já se esqueceram e nem se olham, para evitar qualquer contato visual que resulte em um cumprimento. Bate aquela dúvida de "será que ando mais rápido pra evitar ele?". Uma dúvida. Não há o que fazer.

Ainda há o problema maior. Qualquer dia desses pode ter algum outro evento de jornalistas e pode ser que por algum azar eu me sente novamente na mesma mesa que ele. E por isso, tenhamos que voltar a nos cumprimentar formalmente e, quem sabe, com o aumento dos laços afetivos, tenhamos até que perguntar como é que vai a família, sua esposa vai bem?

Fora o terrível dia em que talvez nós nos encontremos dentro de um supermercado. Nos evitaremos na seção de frutas e verduras, depois na seção de produtos de limpeza e se o azar for muito grande, pegaremos a fila do queijo, a fila do pão e a fila do caixa do supermercado.

Conhecer pessoas é uma merda.

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