A reencarnação de fulano

Estava assistindo ao programa da Fátima Bernardes na última segunda-feira. Sim, eu sei que isso é uma pequena vergonha, mas esses programas matinais são uma ótima fonte de inspiração. Como eles vão ao ar todos os dias, seus roteiristas tem que se esforçar muito para desenvolver pautas diárias e, assim, eles sempre levam ao ar algum assunto muito bizarro, digno de estar no CH3. Um assunto que eu gostaria de ter pensado.

Nesse caso, era uma reportagem sobre um menino de cabeça raspada e que vestia uma manta grená e laranja. Aparentemente, ele é brasileiro e é a reencarnação de alguma liderança budista. Mais tarde, descobri que o motivo dessa matéria, era a estreia da nova novela da Globo. Aliás, o telejornal local trouxe uma matéria tão detalhada sobre a trama, que eu acredito que eles contaram toda a história até o seu final. Já reparam que quem assiste novela não se importa muito com spoilers?
Outra questão interessante, é que a doutrina espírita costuma a sofrer muito preconceito de grande parcela da população, mas, curiosamente, temos inúmeras novelas que abordam o assunto.

Enfim, nessa novela, há justamente uma menina que, segundo os monges budistas, é a reencarnação de um líder deles, um cara com nome engraçado e propício ao duplo sentido, mas que agora não me vem à cabeça. Ao que eu entendi, um núcleo da novela é composto por monges que vem ao Brasil buscar essa menina reencarnada com o espírito do grande mestre.

Não pretendo aqui fazer nenhuma análise preconceituosa com o budismo ou qualquer doutrina que acredite na reencarnação. O CH3 é a favor da liberdade religiosa. Todo mundo pode acreditar ou desacreditar no que quiser, desde que não encha o saco das outras pessoas por conta disso. O fato é que eu não posso negar que essa história de ser a reencarnação de alguém importante é um tanto quanto engraçada.

Imagine você, meu senhor, minha senhora, sentado no sofá assistindo ao Domingão do Faustão, esperando pela rodada do brasileirão enquanto digere aquela macarronada carregada de molho de tomate que te deixou cheio de azia. Toca a campainha. Sua mulher te xinga, achando que você chamou algum amigo para uma partida de bozó, e vai direto para o quarto. Você abre a porta e lá estão três senhores vestidos de grená e laranja, cabeças raspadas e que dizem.
- Viemos pegar seu filho.

O Carlinhos pode sair para brincar?
Em um primeiro momento, você não vai entender nada. Dificilmente os monges budistas falarão português e você não deve falar tibetano. Assim sendo, o “Wǒ lái dào nǐ de guòlǜ” deles, não fará muito sentido aos seus ouvidos. Depois de apelar para a mímica ou para um interprete (creio que não será fácil encontrar um interprete de chinês em um domingo a tarde), você poderá ter muitas reações a proposta.

Poderá achar que aqueles senhores são uma espécie de providência divina, pegar a criança e jogar no colo deles dizendo “toma esse estorvo”. Sua mulher pode até gritar do quarto e mandar os monges levarem você junto. Mas, o normal é que você pergunte porque eles querem seu filho? Será que esses carecas são traficantes internacionais de órgãos, pedófilos internacionais?

O debate não será fácil. Os monges estarão irredutíveis, afinal, para eles o seu filho é o novo Buda. Você também ficará irredutível, porque é o seu filho e a ideia de que esses carecas levem sua prole para um internato eterno no Tibete não parece ser a coisa mais interessante do mundo. Uma hora, um dos dois lados vai ter que ceder. Será que existe uma jurisprudência para casos assim?

Também tem o lado da criança. Será que ela acha interessante essa história de ir para um país completamente diferente para liderar espiritualmente um povo? Ou será que ela só queria ficar em casa, jogando videogame? Será que não tem um meio termo? Você vai lá, passa um final de semana, se gostar, vai ficando.

E será que a criança concorda com o que ela foi na outra encarnação? Se descobrirem que Hitler voltou no corpo do seu vizinho e os neonazistas passassem a fazer vigília na porta da casa dele. Às vezes, o Hitler neonascido pode ser um humanista. Ele pode chegar na janela e falar “gente, nada haver. Judeus são legais, ciganos também. Explode Coração foi minha novela favorita”.

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