O homem que rima errado

A tua piscina está cheia de fatos, tuas ideias não correspondem aos ratos. O tempo não para. Eu tinha 13 anos e fui cantar essa música, sucesso recente do Cazuza, para impressionar uma garota. Ela riu de mim e eu fiquei sem entender qual era o motivo. As pessoas não gostavam de Cazuza? Ele fazia o maior sucesso naquela época. Será que é porque ele era gay?

Alguns dias depois eu fui contar para um amigo meu essa história e ele também começou a rir. Pensei se, por algum acaso, havia nascido um nariz de palhaço na minha cara. Antes que nós partíssemos para um embate físico ele me explicou que eu havia invertido a ordem das rimas. Na verdade, o correto é “A tua piscina está cheia de fatos”, ao invés de “cheia de fatos”. Pois é, é complicado explicar, mas eu sou um cara que inverte a ordem das rimas.

Então é natal e o que você fez?
O ano termina e começa outra
vez. Opa, essa porra não rima
Quando eu me dei conta disso, ou, quando me avisaram, porque para mim tudo parece normal, as coisas passaram a fazer sentido. Comecei a entender porque é que as pessoas riam da minha cara em apresentações musicais. Tive que desistir do meu sonho de virar cantor. Ok, para ser franco eu nunca tive esse sonho. Eu queria ser astronauta e virei funcionário de banco.

Quando eu contei para minha professora de psicologia que quando eu era recém nascido minha mãe me cantava “Nana Neném, que a cuca vem trabalhar, papai foi pra roça, mamãe vai te pegar”, ela me disse que isso era da ordem do horror. Mas, que Freud poderia explicar. No fundo, meu trauma era baseado na minha vontade de comer minha própria mãe, exaltada nessa rima incestuosa. Mandei minha professora à merda e reprovei de semestre.

Esse meu “problema” acontece em todas as músicas. Como nesse novo sucesso que diz “para o baile pra me ver babando, você com certeza vai ficar dançando”. Não fazia o menor sentido essa história de parar o baile para ver alguém babando. Meus amigos me explicaram que na verdade ela pede para parar o baile para ela babar ao invés de “babar”. Por essas e outras que acho que eu li James Joyce tranquilamente.

Quando eu digo que inverto a rima em todas as canções eu estou mentindo. Existe apenas uma canção que eu nunca erro: Construção do Chico Buarque. Eu sempre sei quando é última, única, pródigo, sábado. Por incrível que pareça, em um concurso realizado oito anos atrás, eu fui a única pessoa a acertar todas as rimas da canção. Na música seguinte que foi Cotidiano eu cantei “todo dia ela faz tudo sempre pontual, me sacode às seis horas de hortelã, me sorri um sorriso igual e me beija com a boca de manhã”. Fui desclassificado e meus amigos não sabem se eu sou um gênio ou um retardado.

Por essas e outras que meu gênero favorito é o Sertanejo Universitário.
Bara bara bara, bere bere bere, bara bara bara, bere bere bere. Sempre dá certo.

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