A vida em cidades turísticas

Eu tinha 13 anos e estava passando férias na cidade de Gramado, na serra gaúcha. Cidade famosa por chocolates, cafés coloniais, casas em estilo colonial, festivais de cinema com uma premiação de nome engraçado, enfim, uma cidade turística.

Depois de uns quatro dias andando por aquelas poucas ruas limpas e cheias de restaurante, bares, pizzarias e lojas de artesanato, me bateu uma dúvida existencial: alguém realmente mora em Gramado? Onde é que essas pessoas moram? Já havia andando bastante pela cidade não havia percebido nada parecido com uma residência. Ou melhor, haviam algumas grandes mansões de ricaços que devem passar o final de semana por lá. Mas, onde é que esses garçons, cozinheiros, faxineiros e vendedores moravam? Será que eles pegam o ônibus até outra cidade? Será que eles moram em abrigos subterrâneos, escondidos dos turistas? Será que a noite, quando o comércio fecha, as trattorias se transformam em dormitórios? Eles dormem na rua?

Um dia, sorrateiramente, perguntei a uma caixa de uma loja onde é que as pessoas da cidade dormiam. Ela apenas riu e não respondeu. Será que ela estaria debochando da minha pergunta? Será que ela estava escondendo algo? A resposta eu jamais saberei, porque na época eu não pensava em ter um blog de jornalismo investigativo. Aliás, até hoje eu não penso nessa oportunidade, nem nunca pensei.

Cidades com portal de entrada cos-
tumam a ser ridiculamente turísticas
Provavelmente toda e qualquer cidade do planeta tem seus atrativos turísticos, com uma única possível exceção, que não citarei aqui por medo de processos e represálias. Em qualquer cidade haverá uma praça simpática, uma casa antiga, uma pequena reserva florestal, quem sabe uma cachoeira, um monumento a história da humanidade, um prédio construído na época do Império Romano. Se essas atrações turísticas são boas ou ruins, é outra questão, mas o fato é que toda cidade é turística. Existem aquelas que são muito turísticas e outras que são ridiculamente turísticas.

Cidades ridiculamente turísticas são essas, como Gramado. Aliás, deixo claro que acho Gramado uma cidade muito agradável que quando fui lá dormi em um hotel muito bom, comi bem todos os dias e tudo mais. Mas, digo que a cidade é ridiculamente turística porque ela parece existir apenas para isso. Chega a ser até um pouco fake ver aquelas ruas cheias de casas coloniais, os canteiros cheios de orquídeas. Tudo foi friamente planejado para agradar os turistas que querem passar um tempo de escape fora da realidade e gastar um bom dinheiro com isso. Existem outras cidades assim, como Campos de Jordão, Penedo, Porto de Galinhas.

Em todas essas cidades eu me pergunto onde é que as pessoas moram. Onde é que elas se escondem. Onde tem que ir se ficam doentes, onde as crianças estudam. Eles passam no mercado para comprar um pão? Eles compram roupas naquelas lojas caríssimas também, ou será que existe um lugar em que elas podem comprar um pacote de cueca, três por dez?

Quando eu era criança, tinha esse mesmo sentimento em relação a Chapada dos Guimarães. Para mim, a cidade se resumia a sua praça, sua igreja e o restaurante Mestrinho, onde sempre íamos almoçar. Um dia, algum dia, fui com meu pai em um lugar e descobri que existiam casas por lá. Foi uma surpresa. Ainda não descobri onde é que ficam as casas de Gramado, quem sabe um dia?

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