Papo de Vó

Avós sempre tem o poder colocar você em uma situação constrangedora. Em qualquer época da sua vida elas poderão te fazer perguntas para as quais você não terá resposta.

- E as namoradas?
Em alguns casos, algumas avós são ainda mais específicas e chegam a perguntar sobre a quantidade de namoradas que você tem. A resposta obviamente é que não, você não tem nenhuma namorada, o que é mais do que normal uma vez que você tem apenas 9 anos e no seu mundo a ideia de ser visto conversando com uma menina seria algo próximo ao apocalipse. Quantas namoradas seriam razoáveis para um pré-adolescente disposto a montar seu próprio harém? Oito?

- E os coleguinhas, tem jogado muita bola?
É difícil você dizer para sua avó que você só mantém algo próximo a uma conversa com o César, um gordo caolho que provavelmente vai reprovar de ano na quarta série. E no futebol? Você é o último a ser escolhido e certa vez um time preferiu jogar com um a menos do que te escolher, sendo que o César estava no outro time. Mas, é preciso dizer que está tudo ótimo, caso contrário você irá fazer sua avó sofrer no restante de sua vida.

- Como você está bonito!
É isso que sua avó te diz ao te ver pesando aproximadamente 200 kg. Um triste caso de obesidade mórbida infantil, mas que para as avós, tias-avós e afins, é sintoma de felicidade e de estar saudável. Se você aparecer diante de uma avó com um peso normal ela perguntará se você está doente, dirá que você está tão magrinho e que precisa se alimentar mais. Nos próximos dias ela irá te preparar uma dieta calórica digna de um lutador de boxe. Nesse mundo, não ter jantado é um absurdo.
- Oi vó.
- Oi meu neto, onde você estava?
- Cheirando cola.
- Ah bom. São nove horas você já jantou?
- Não.
- Como você não jantou ainda???

- E o que você vai fazer?
Pergunta que te persegue desde que você tinha seis anos e se via obrigado a escolher uma carreira profissional na primeira série. A medida em que os anos passam a pergunta começa a ter um ar torturante, como se você já tivesse que ter escolhido e já tivesse que estar se preparando para atuar na área que você deseja. Será que o Niemeyer já era estagiário de uma empreiteira com 13 anos?

E então quando você está no Ensino Médio, você se faz esta pergunta todo dia. Vestibular para o que? Sua avó lhe pergunta novamente sobre isso e você não pode responder que você também gostaria de saber. Infelizmente, você ainda não escolheu se fará medicina, direito ou engenharia.

- Que curso você está fazendo mesmo?
Chorão tem um papo reto com a vó
Jornalismo, vó. Ela então pergunta se você vai substituir o William Bonner, talvez o Arnaldo Jabor. Não vó, não é isso que eu vou fazer. Mas podia ser pior, imagine se você tivesse que explicar que você está cursando História, Letras ou Pedagogia. Difícil explicar que você não virou doutor, que não é um engenheiro e muito menos um advogado. As únicas três profissões existentes no mundo das avós.
- Você podia ser médico! Tão bonito ser doutor! Podia virar geriatra para cuidar da sua avó velhinha.

Se a sua avó for um pouco mais sincera ela ainda poderá perguntar.
- Porque, meu Deus, porque é que você foi escolher fazer isso? Você poderia ter uma profissão tão melhor!
Sim vó, eu também me pergunto sobre isso todos os dias da minha vida, mas infelizmente, até hoje eu ainda não consegui chegar a uma resposta.

- E você gosta do seu trabalho?
A mais cruel das perguntas. Você tem um emprego horrível, odeia boa parte dos seus colegas de trabalho, o ato de acordar se torna um ritual de tortura diário e, no fundo, você se considera um vencedor por ainda não ter cometido suicídio. Mas, infelizmente, novamente, você não pode dizer isso para a sua avó. Você tem que falar que sim, que adora o que faz e que não poderia ser mais feliz. Já é ruim demais fazer a profissão errada, o que dirá ser infeliz nela? Se além disso tudo já não bastasse você não ter namoradas na segunda série e ter jantado tarde naquele 18 de fevereiro de 1995. Que decepção meu neto, que decepção.

O papo de vó jamais poderá ser pautado pela sinceridade, pelo bem de todos.

Com a contribuição do inestimável Gressana, que passou por todos esses diálogos.

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