Os pensamentos do momento em que o telefone toca

O telefone toca, são 5h da manhã. Você estranha o horário, ninguém liga nesta hora. Quem ligou agora é porque está num momento de extrema necessidade, diria que de desespero. É uma tragédia, sem dúvida é uma tragédia. Alguém morreu. Alguém bem próximo a mim. Um familiar, um grande amigo. Quem será que eu conheço que poderia estar em alguma situação de risco? Talvez seja apenas algum acidente. Não sei. O fato é que alguém está desesperado, alguém está sofrendo e esse sofrimento me interessa diretamente.

Pego o telefone e olho que eu não reconheço o número. É um sequestro. Um crime do falso sequestro. Quem é que ligaria para mim para anunciar que foi sequestrado a esta hora da manhã. Penso e atendo o telefone. Era engano, só um bêbado perguntando aonde é que eu estava.

O telefone toca no sábado, no final da tarde. Olho para o visor do meu celular e percebo que é o número do chefe. No sábado à tarde. Com certeza é algum trabalho que eu terei que fazer. Alguma reunião de trabalho. Alguma coisa que eu terei que parir esta noite ainda. Já vou desmarcar todos os meus compromissos esta noite, tenho que avisar os meus amigos que não vai dar, porque eu estarei ocupado diante do computador. Se eu não terminar o que me for demandado hoje, serei demitido.

Demitido, é isso. O chefe está me ligando para me demitir. Eu sabia, sabia que o clima estava pesado nos últimos tempos, que eu estava sendo fritado. E o maldito resolveu me demitir assim, por telefone, em um sábado a noite. Para acabar com meu dia, com o meu final de semana. Para que eu não tenha que sequer voltar a colocar meus pés no escritório segunda-feira. Acho que ele vai incinerar todas as minhas coisas. Acho que eu vou precisar de um engradado para afogar minhas mágoas nesta noite.

Atendo o telefone quase chorando. O chefe só queria saber o nome daquele restaurante na Getúlio Vargas que eu disse que era bom.

O telefone toca na hora do almoço. É telemarketing, eu penso. São eles, malditos. É o pessoal do banco que vai me oferecer uma linha de crédito sensacional igual a que eles me ofereceram na semana passada e já haviam oferecido outras cinco vezes e que eu recusei em todas elas. Ou então vão me oferecer um seguro. Um maldito seguro de vida, seguro para minha residência, seguro para meu carro. Querem me encher de apólices. Ou então vão me oferecer cartões novos.

Não, não é isso. É a Oi que quer me vender um plano de banda larga ainda mais caro. Querem me vender dezenas de pacotes. Ou será que é a Sky? Qual outra empresa poderia querer me ligar neste momento para me oferecer algum maldito benefício que no final das contas só irá me trazer prejuízo, insatisfação, dor de cabeça e uma pena de 12 anos por homicídio doloso, quando há a intenção de matar e o juiz nem sequer entenderá que eu agi em legitima defesa.

O telefone toca. É a Vivo. Filhos da puta.

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