O Teste na Academia

Tudo começou cinco meses atrás. Meu médico recomendou que eu começasse a fazer exercícios físicos, sinais da idade. No dia seguinte eu procurei uma academia nas proximidades da minha casa. Como sempre acontece em toda experiência nova, eu estava apreensivo. Percebendo minha apreensão o instrutor da academia me fez uma proposta “porque você não faz uma semana para testar, ver se você gosta”.

Aquela frase soou tentadora, irresistível. Ela despertou em mim, naquele momento, toda a alma pão dura que estava adormecida, graças aos anos de terapia e o uso de medicamentos controlados. Nos meus áureos, ou piores tempos, eu cheguei a ficar dois meses sem pagar por comida, me alimentando apenas das amostras grátis que eram distribuídas em supermercados. Quando a maquina de guaraná do Modelo foi retirada, uma lágrima solitária escorreu do meu olho esquerdo. Não por qualquer sentimentalismo, mas porque eu percebi que precisaria começar a gastar para beber. Ou não, virei um grande frequentador de repartições públicas e outros lugares que dispõe de garrafões de água ou bebedouros.

Comecei o teste naquele mesmo momento e enquanto era instruído a realizar supinos, flexões dorsais, roscas e levantamentos, minha cabeça começou a bolar um plano. Meu passado veio a tona e a ideia me pareceu muito boa para que eu não a fizesse. Sorri. Porque a principal graça de ser pão duro é ocupar a sua mente bolando engrenagens mirabolantes para economizar dinheiro. O processo de criação é tão bom quanto a execução do projeto.

No dia seguinte, acordei com o corpo dolorido e preferi ficar em casa, tomando remédios analgésicos para diminuir aquela terrível sensação. Parecia que eu havia passado a noite inteira dentro de um liquidificador. Estava ansioso pelo dia seguinte e essa empolgação diminuiu a minha dor, melhor do que qualquer dorflex que eu havia tomado.

No outro dia fui à academia. Em outra academia. Fiz aquela cara de ansiedade, de medo diante do desconhecido e o instrutor perguntou se eu não queria fazer um teste para ver como era. Perfeito. Deu tudo certo. Voltei a fazer aquela repetição de supinos, flexões, roscas e abdominais, feliz com o sucesso do meu plano.

Acho que me inspirei numa das minhas maiores aventuras, que aliás, surgiu por acaso. Estava voltando para casa de ônibus, quando percebi que havia esquecido minha carteira em algum lugar. Contei o fato para o cobrador que se mostrou irredutível e me fez descer no próximo ponto. Poderia ter ficado desolado, mas, neste momento encontrei forças para seguir em frente. Transformei isso em um truque. Peguei outro ônibus e utilizei os mesmos argumentos e desci no ponto seguinte. Fiz isso nos 27 pontos de ônibus que separavam a universidade da minha casa. Utilizei esta tática algumas vezes, não sempre, para não ficar manjado pelos cobradores. Ninguém nunca desconfiou. Minha capacidade de interpretação é impressionante, não sei como é que eu nunca virei ator.

Bem ou mal, estava repetindo este mesmo processo, agora na academia. Com a diferença de que o dinheiro em jogo era muito maior. Uma passagem de ônibus custava apenas R$ 1,85 na época (sim, os maiores prazeres residem nas menores coisas) e a mensalidade da academia era de R$ 80. Ninguém me achava estranho, porque eu deveria ser uma figura normal naquele ambiente. O cidadão sedentário que desiste da academia após o primeiro dia, derrotado pelas dores musculares.

Dois depois apareci em uma terceira academia, para outro teste. E assim eu tenho feito desde então, em dias alternados. Em pouco mais de duas semanas já tinha ido a todas as academias que ficavam perto da minha casa. Depois, todas as academias da região já haviam sido testadas por mim. Comecei a percorrer ruas diversas da capital, atrás de novos estabelecimentos. Frequentei academias das mais diversas qualidades, desde as mais vagabundas, daquelas que você corre o risco de pegar tétano durante os exercícios, até as academias mais sofisticadas de Cuiabá.

E agora vem o problema. Cinco meses e 69 academias depois do início da minha jornada, acho que minhas possibilidades estão se encerrando. Já comecei até a andar por Várzea Grande em busca de novas lugares e não descarto a possibilidade de ir até Santo Antônio do Leverger. Quem sabe Livramento, Poconé, Chapada, Jangada e, porque não, Campo Verde e Barão do Melgaço não entram no meu roteiro também? Se existir uma academia em Acorizal, lá estarei. Acho que em breve comecei a repetir algumas academias, as primeiras em que fui. Acho que cinco meses depois não se lembrarão mais de mim.

Você pode até questionar se eu não acabo gastando mais dinheiro indo malhar em Rosário Oeste um dia. Talvez sim, mas que graça teria se eu pagasse oitentão para malhar perto de casa todo dia? Vocês nunca entenderão.

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