O estranho caso de pessoas que repentinamente perderam a graça

A única função do palhaço é fazer rir. Diante de uma plateia enfurecida, ele e o seu rosto pintado de branco têm que provocar gargalhadas. Um trabalho difícil, porque o humor é algo bastante subjetivo, algo que deve ser estudado pelos especialistas das mais diversas áreas. Se as pessoas não rirem do palhaço, ele está perdido e sem função. Claro que ele ainda poderia roubar bancos, sequestrar aviões, promover revoluções no Oriente Médio e atuar em filmes de mafiosos, mas, esta não é a sua função.

Porque as pessoas riem do palhaço? Porque aquele cidadão enrugado, fantasiado e com uma vida tão sofrida faz as pessoas rirem? Creio que seja uma espécie de encanto, uma magia que não pode ser perdida. Se alguma maldição quebrar este encanto, as pessoas param de rir e o palhaço morre miserável. Isso pode acontecer.

Existem diversas pessoas, palhaços ou não, que um dia perderam a graça. E não falo do Casseta & Planeta, que um dia foi engraçado, no outro nem tanto e depois menos ainda. Não falo de quando a graça é perdida de maneira lenta, gradual e segura mas sim, de um momento específico em que a pessoa deixa de ser engraçada. E nem é preciso que o cidadão se revele um pedófilo nazista ou que ele mantenha relações sexuais com a sua mulher. Simplesmente acontece, como aconteceu com o Marcos Mion.

Creio que as novas gerações não saibam e sequer acreditem que um dia o Marcos Mion já foi engraçado. Sim, eu sei que é difícil acreditar nisso quando você assiste aquele cidadão balzaquiano falando um dialeto cheio de expressões juvenis em um freak show televisivo. Mas, quando ele surgiu apresentando “Os Piores Clipes do Mundo” na MTV, ele era uma figura carismática que fazia todo mundo rir com seus comentários satíricos sobre os clipes lamentáveis de Rodney Di e companhia.

Mas um dia ele perdeu a graça.

(A graça dos “Piores Clipes” pode parecer estranha hoje, mas, entendam que vivíamos em uma civilização pré-youtube e que ninguém tinha este vasto acesso as porcarias produzidas pela humanidade. Pense também que o Mion era um cara de vinte anos, era normal ele falar “papito”).

Mion e sua absoluta falta
de graça
Seu estrondoso sucesso o fez ser disputado pelas grandes televisões do Brasil e em 2002 ele foi parar na Bandeirantes para apresentar o programa “Descontrole”, em horário nobre. A estreia foi aguardada e o primeiro episódio foi um sucesso. No dia seguinte, entre uma dose e outra de uísque, todos discutíamos no bar se Mion era o novo Chacrinha, o novo Costinha, o novo Caçulinha ou o que fosse. Sim, eu tinha apenas 15 anos, mas isso não me impedia de participar de boas discussões.

O programa do dia seguinte foi aguardado com ansiedade, mas, como num passe de mágica, ele havia perdido a graça. Depois de uma semana a perda se mostrou irrecuperável. Mion dormiu engraçado e acordou chato.

Talvez, a culpa recaía sobre o sucesso repentino. Como se fosse um rockstar que pede milhares de toalhas brancas em seu camarim, Mion encheu seu palco de coisas sem sentido. Um anão, um sósia gordo, um cara vestido de corvo, pessoas mascaradas, quadros sem sentido e nenhum roteiro. De repente, todos pulavam no chão. Logo era montinho sobre o corvo, montinho no cameraman, uma hora seguida de montinhos. O programa parecia uma festa de bêbados, algo que pode ser muito divertido apenas quando você está bêbado e está na festa.

Depois de uns seis meses tentaram reformular o programa para salvá-lo do fracasso, mas não deu certo. Marcos voltou para a MTV e desde então roda o Brasil levando junto a sua falta de graça, mostrando o dom de não ser engraçado em nenhuma situação.

Mion não é o único. Temos também o Bruno Mazzeo que tinha um programa divertido na televisão, mas que depois de estrelar o pior filme da história (Cilada.com) se transformou automaticamente em uma espécie de “babaca carioca” (a babaquice regionalizada é um fenômeno a ser analisado em outro post). Dizem que Charles Chaplin também acordou sem graça um dia, mas era porque ele era bipolar.

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