Roteiro do Fenômeno Literário

O fenômeno literário do momento se chama "50 tons de cinza", obra de uma autora inglesa, cujo nome estou com preguiça de pesquisar no Google. Superficialmente, podemos dizer que o livro conta a história de uma jovem virgem que se rende aos excêntricos desejos sexuais de um multibilionário. Superficialmente, podemos concluir que o livro é a prova de que o dinheiro faz qualquer coisa, até com que virgens aceitem serem amarradas de quatro por um cara que ela conhece a pouco tempo, mas que pilota helicópteros.

A meia centena de tons conquistou mulheres do mundo inteiro, vendeu bilhões de exemplares, despertou o ódio dos críticos e vai parar nos cinemas. Um roteiro básico, seguido por todo autor de Best Seller. Roteiro pormenorizado aqui.

Tudo começa com uma fracassada que escreve um livro. Sim, uma encalhada, desempregada que resolve escrever um livro como escape para a sua realidade medíocre. Seja uma história de bruxinhos que lutam contra o mal ou sobre uma menina que tem orgasmos levando palmadas na bunda de um cara que pilota helicópteros.

Sem nada para fazer, a autora começa a procurar editoras que poderiam estar interessadas em publicar o livro. Pelo menos uma dúzia de editoras consideram que aquilo é uma porcaria e mandam a escritora voltar para casa. Quando ela começa a cogitar a possibilidade do suicídio, uma alma caridosa, de uma editora que não tem nada a perder, resolver publicar o seu trabalho.

O problema é que ninguém compra a obra. As pessoas passam na livraria e não tem o menor interesse por um negócio chamado "Memórias Póstumas de Brás Cubas", o que faz com que o autor tenha que ganhar a vida limpando pratos em uma lanchonete da periferia.

Mas então o milagre ocorre. O livro começa a fazer sucesso misteriosamente e, como se fosse um passe de mágica, ele começa a frequentar a lista e mais vendidos da Veja, tornando-se um Best Seller. A autora vira então uma celebridade. Requisitada para entrevistas, vira um símbolo entre as mulheres, suas frases começam a pipocar no Facebook.

O Velho e o Mar, parte II
O sucesso do livro começa a chamar a atenção dos críticos, que param por um instante de ler T.S. Eliot para analisar o Best Seller. Analisar não. Detonar, esculhambar, dizer que aquilo é um produto da subliteratura destinado a pessoas acéfalas e sem a mínima capacidade de conviver em sociedade. Os críticos passam a ser atacados pelas fãs do livro no Twitter.

Depois do sucesso, vem o segundo volume. Delírio coletivo. Filas nas porta das livrarias. O que faz com que a outrora fracassada autora se transforme em uma multimilionária, capaz de dar tapas na bunda de quem ela quisesse. Invariavelmente, ela se transforma em uma espécie de ombudsman (ombudswoman?) da humanidade.

A parte final da trilogia é lançada no momento em que as pessoas já não ligam tanto assim para a história e os críticos voltam a ser aceitos pela sociedade. As pessoas leem o final apenas por curiosidade, para saber que fim levará aquele cara que luta contra o encanto das sereias. Antes que a obra pudesse ser esquecida, ela é levado para o cinema. Claro, o filme é uma porcaria que desagrada todos os públicos possíveis.

E então, em um milagre inverso, todos voltam a não ler o livro. Mas, a essa altura, a autora já não precisa mais disso, porque a sua aposentadoria está garantida.

Provável que ela nunca escreva mais nada na vida - se escrever algo, será massacrada, portanto, é melhor viver da fama para sempre. Os livros começaram a se amontoar nos sebos e, provavelmente, terão que ser incinerados um dia.

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