A Humilhação do Voto Solitário

Logo que os votos são totalizados os jornais começam a contar a história dos campeões das urnas. A professora que teve a maior votação proporcional do país em Natal, o recordista de votos no Rio de Janeiro, o gari eleito em Cascavel. Todos aproveitando o seu sucesso no sufrágio. A imprensa também dedica espaço para as (sub)celebridades e os seus muitos, ou poucos votos.

Só que existe o outro lado. O lado marginal, o lado dos Perdedores com P maiúsculo. Aqueles que ocupam as posições mais baixas das listas de vereadores.

Sempre há uma curiosidade relacionada àqueles que não têm nenhum voto. Mas eu vejo as pessoas que zeraram nos votos com certo desprezo. São pessoas que entraram na disputa apenas para fazer figuração, que não concorreram de verdade. Foram indeferidos, impugnados, ou simplesmente desistiram. Não fizeram campanha, nem eles próprios votaram neles.
Prazer Solitário

Os grandes humilhados para mim são àqueles que têm apenas um voto. Um único voto solitário. Provavelmente o seu próprio voto.

Não que receber dois votos signifique muita coisa. O desempenho pode ser igualmente pífio. Mas, com dois votos, significa que você teve pelo menos um amigo, um admirador, alguém em quem confiar. Uma pessoa que poderá estar com você nos piores momentos. Quem teve apenas um voto, nem isso.

Imagino o cidadão que foi na urna e votou em si próprio. Voltou para casa, confiante na apuração. Talvez não com a expectativa de ser eleito, mas de ser reconhecido, de receber alguns votos, a confiança de alguns eleitores no seu projeto, o apoio da família e dos amigos. Quando os resultados são totalizados ele descobre que apenas ele votou nele. Não foi votado nem pela própria mãe.

Imagino ele chegando no quarto e falando para a esposa:
- Recebi apenas um voto.
- Ééééééé... poxa heim, que coisa. O que será que aconteceu?
- O Ricardo, nosso vizinho solteiro, recebeu dois.
- Ééééééé, deve ter sido a mãe dele.

Imagino a cara dele para encarar os amigos, os colegas de trabalho, todos que falaram que o candidato poderia contar com ele. Todos com aquela cara de que não há nada que possa ser dito. Que coisa estranha, deve ter sido um erro na contagem. Todo mundo havia contado com a possibilidade de que outros iriam votar nele e então todos poderiam dizer “meu voto foi teu”. Mas, agora não teria como. Desde, é claro, que um dos colegas não seja extremamente cara de pau.
- O que foi cara, teve algum problema? Não votou?
- Votei sim.
- Ah, é porque eu vi no resultado que só eu votei em você, achei que tivesse desistido.

O cidadão do voto solitário andará humilhado pelo resto da sua vida. Sem a confiança dos seus amigos, da sua família. Talvez, apenas do seu próprio cachorro. Que não tem título eleitoral.

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