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Falei para Pai Jorginho de Ogum que eu estava indo embora. Ele me disse que era cedo. Eu falei que não era. Ele me ofereceu um café. Eu disse que não tomo café. Ele disse que pediria para que a mulher dele fizesse um bolo. Eu falei que ele nem gostava de bolo. Ele me respondeu "você não sabe o que eu já fiz por bolo". Eu disse que preferia não saber. Em uma última cartada, o Sacripanta da Luminosidade me ofereceu um copo de achocolatado.

Neguei. Primeiro, porque eu imaginei que a procedência do achocolatado que ele iria me oferecer seria péssima. Segundo, porque conferi rapidamente que se tratava de Toddy. E eu tomo Nescau. Nesta vida, você pode trocar de religião, de mulher, de sexo, até de time de futebol. Mas uma coisa você jamais troca. Ou você toma Toddy ou você toma Nescau. Essa é uma máxima que não pode ser negada.

Agradeci Pai Jorginho de Ogum pela hospitalidade. Falei para ele que me surpreendi com a estrutura que a Carnicentas possuía. Suas paredes continuam carcomidas, com a aparência de que poderão desabar a qualquer momento. As cadeiras metálicas, creio eu, transmitem tétano pelo contato visual, de tão enferrujadas que estão. Os copos engordurados, as bebidas de procedência duvidosa, a cozinha absurdamente nauseante. Falei para Pai Jorginho que, dentro daquilo que ele se propunha, ele fazia o melhor trabalho possível. E que, incrivelmente, a Carnicentas conseguia ser cada vez mais insalubre.

Ele agradeceu. Disse que durante a sua vida inteira ele sempre foi assim. Ele sempre se dedicou a tarefa de ser o pior em tudo o que ele tentava fazer. O que, felizmente, ele sempre cumpriu. Foi o pior centroavante do pior time do Flamengo na história. Disse que é o pior aluno da sua turma de Direito na Unic. Tanto que, mesmo tendo entrado na Universidade em 2005, ele continua no terceiro semestre até hoje. Sempre tenta fazer as piores previsões possíveis e também consegue ser o pior patrão possível para as suas empregadas. Nunca honra suas dívidas e compromissos. Falei que era um estilo de vida curioso.

Estava cumprimentando Marcão de longe, porque ele nunca lava as mãos, e o Cão Leproso, porque ele não tem braços, quando o telefone tocou. Jorginho atendeu e disse que era para mim. Estranhei. Como alguém poderia saber que eu estava dentro daquele pedaço de apocalipse. Havia uma mulher do outro lado da linha. Era uma tia do menino Fabinho. A única que nutria algum afeto por ele, tendo presenteado-o certa vez com um DVD de Madagascar.

Ela me disse que havia escutado a conversa que o Fábio pai teve comigo, pegou meu número no registro do celular e me telefonou. Ela disse que, escondida da família, tem mantido contato com o garoto eventualmente, cerca de duas vez por ano. Ela disse que no último contato, Fabinho informou que continuava em Gaúcha do Norte, trabalhando como empacotador de um comércio local. Que os primeiros meses foram difíceis, vivendo na rua. Mas, que ele logo deu seus pulos e que consegue viver com alguma tranquilidade.

Perguntei se ela sabia se ele ainda passava por alguma humilhação. Ela me disse que não.
- Na última vez que eu falei com ele, perguntei se alguém fazia algum mal para ele. Ele disse "não tia, hoje todo mundo tem é medo de mim". Não é de dar orgulho? Ele virou um rapaz, sabe se defender.
De acordo com ela, ele avisou que qualquer dia voltará para fazer uma visita para o pai. Mas que isso é uma  surpresa. "Não guarda rancor", ela disse. Fabinho tem estudado e que sua matéria predileta é química.

Agradeci as informações e peguei seu contato. Disse que um dia, quem sabe, ligaria para pegar mais informações.

Coloquei o telefone no gancho e falei para Pai Jorginho de Ogum que iria embora. Ele falou tudo bem. Perguntou sobre a Semana CH3 e eu disse que já tinha ideia do que iria fazer. Me despedi de todos e fui para meu carro. No caminho, vi Alfredo Chagas chegando de uma viagem para Guiratinga. Apressei o passo. Ele me chamou de porco inculto, fruto das oligarquias proletárias. Entrei no carro e fui embora.

Marcão resolveu dar um mergulho

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