6 anos, 7 posts (III)

O Menino Fabinho surgiu neste blog muito antes de o Bullying se popularizar no país. Digo, acho que crianças sempre foram humilhadas publicamente desde que o mundo é mundo. Mas ninguém falava sobre isso, era tudo considerado brincadeira de criança. Creio que o Bullying enquanto termo só se popularizou no Brasil no dia em que aquele maluco invadiu um colégio no Realengo para metralhar os alunos.

Fabinho morava em Primavera do Leste, cidade consagrada por Vinícius Gressana como a capital nacional do Bullying. O Menino era uma vítima constante das humilhações dos colegas de colégio e dos próprios professores. O pior é que até os pais tripudiavam com o garoto. Qualquer insucesso na vida deles era motivo para que Fabinho fosse obrigado a vestir roupas de meninas e desfilar pelo centro da cidade. Os pais incentivavam que os populares apontassem o dedo para o garoto, rindo e atirando objetos.

Sua vida piorou de vez, ou talvez tenha melhorado, no dia em que ele completou 10 anos. Foi sua única festa de aniversário. No fim do dia, seu pai lhe presenteou com 20 reais e uma passagem apenas de ida para Gaúcha do Norte. Ninguém nunca mais teve notícias sobre o Garoto. Eu mesmo não me lembrava mais dele, acho que ninguém se importava com o coitado.
O Cãozinho de Estimação do Fabinho

Os posts que nós publicamos sobre ele foram bons. Continham tanta maldade que era difícil acreditar que havíamos realmente escrito aquilo. Dava até um certo constrangimento de rir de algo tão cruel. Aqueles posts fazem parte de uma era de ouro do blog, em que todos os posts eram bons. Ok, nem todos, mas acho que isso é culpa da memória afetiva.

Sempre olhamos para o passado com um ar de grandiosidade. Pensamos em como tudo era bom antigamente, como éramos bonitos, felizes, como o chocolate era mais doce, a grama era mais verde e o céu tinha um azul inconfundível nas manhãs de outono. O mais provável é que tudo continua igual. O mais provável é que você tenha vivido em uma merda constante desde sempre.

No blog, isso é inevitável. Olhamos hoje para um texto antigo do Tackleberry e ele parece ser uma peça de museu. Mas os posts publicados ao longo do ano de 2008 tem uma áurea especial. Provavelmente porque foi o primeiro ano em que o blog se levou a sério e dispensou alguma dedicação a produção dos textos. Havia um revezamento nas postagens, que era sagrado. Não postar no seu dia, sem avisar, era motivo suficiente para tirar a camisa e gingar capoeira. Não haviam desculpas. Que escolhesse outro dia para sofrer um infarto fulminante.

Mas é curioso como a percepção muda com o passar dos tempos. Durante a retrospectiva do blog que está sendo feita no Facebook, já li e republiquei os 205 primeiros posts deste blog. Curioso notar que alguns textos que pareciam marcos do humor nacional, quiçá mundial, hoje parecem inúteis. Textos que eu soltei envergonhado parecem bem sinceros. Obras de arte que sempre pareceram discretas. Como os textos não se auto-editam, a conclusão é que a mudança está em quem lê. PABLO NERUDA!!! (Uma piada interna é uma boa, às vezes).

Parei com as divagações e olhei pela janela. Vi quatro carros com escadas afixadas no teto, em sequência. Achei estranho. Pensei que poderia ser o prenúncio de uma guerra. Aproveitei o silêncio e pedi o telefone emprestado para Pai Jorginho de Ogum. Ele me olhou desconfiado, com aquela cara de quem não tem crédito. Eu disse que ele não tinha o direito de me negar o telefone, pois a linha foi obtida através de uma gambiarra e quem paga sua conta somos todos nós, contribuintes públicos. Ele me emprestou.

Busquei o número do pai do Menino Fabinho em minha carteira. Disquei o DDD e o telefone tocou. Do outro lado o Fábio Pai atendeu. Expliquei quem eu era e ele se lembrou vagamente. Perguntei se ele tinha notícias do seu filho. Ele me disse que jamais teve um filho, que eu não teria como provar isso. Falei para ele que eu sabia que ele tinha um filho, tinha acompanhado o momento em que o garoto embarcou para Gaúcha do Norte, observado pelos  sorridentes pais. Fábio me respondeu que eu jamais o pegaria vivo e desligou o telefone na minha cara.

Achei estranho.

(Continua)

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