Sobre show e simpatia

Nesses últimos anos, o Brasil tem assistido a uma grande safra de shows internacionais. Os motivos podem ser os mais diversos. Será que o Brasil tem um charme especial? Ou será que nos tempos de crise europeia, recessão mundial, os brasileiros são os únicos que têm dinheiro o suficiente, ou melhor, disposição a pagar os altos valores dos ingressos que sustentam a vida mansa dos astros estrangeiros?

O fato é que as coisas mudaram. Antes, um show do Paul McCartney era um evento secular. Hoje, ele toca no Brasil todo ano, sua presença em terras nacionais são mais frequente que as do Ashton Kuchter. Em outubro então, quando todos os europeus e americanos estão trancados em seus apartamentos com seus aquecedores, uma série de festivais busca dezenas de artistas internacionais que provocam uma dor de cabeça no público. Se antes, não havia opção, agora, muitas vezes, o público das grandes cidades chega a ter que escolher entre um ou outro artista. Às vezes, na mesma noite.

Boa, Bono!
Com tantos shows assim, deve ser difícil para a crítica musical especializada encontrar um lead, um fato novo, deve ser muito difícil definir qual foi o melhor de todos os shows. E para isso o melhor critério é contar o número de vezes em que o artista falou em português. Quando um show de artista estrangeiro acontece no Brasil, pouco importa a qualidade da música. Se com os renascidos John Lennon e George Harrison, os Beatles tocassem no Brasil, o que importaria seria vê-los enrolados numa bandeira do Brasil.

Tempos atrás, Eric Clapton tocou no Brasil. Em um desses grandes sites noticiosos, alguém resenhou que Clapton se manteve pouco comunicativo com o público e que preferiu passar a noite tocando clássicos do blues. Bem, tirante o fato de que provavelmente o crítico só conhecia Layla (visto que Clapton sempre tocou blues e nos últimos anos sempre se dedicou ao blues), o fato de falar pouco aparece para desmoralizar ainda mais o show.

Já o U2. Todas as atenções ficarão para Bono Vox enrolado na camisa do Brasil, dizendo que vamos rumo ao título em 2014, dizendo que ama São Paulo e que o público brasileiro é o melhor. Não sei se, quando ele diz que a Argentina vai rumo ao tri em 2014 é que ama Buenos Aires e os argentinos, se o La Nacion destaca isso. Não sei.

Existe até uma escala para fazer um bom show no Brasil.
1) O artista cumprimenta o público em inglês.
2) O artista anuncia o nome de uma ou outra canção.
3) O artista insere alguns “Brazil” ou “San Paolo” no meio da música.
Porra, Bono.
4) O artista arrisca uma frase em português, como: Oulá Brézil! Nôs estamos mutcho felices eins star aqui estcha notche. Nosta benda is having a mucho good stay em Brézil. Mutcho oubigadou! See you soon! Numa mistura de inglês com português que faria Joel Santana ser ridicularizado, mas que consagra o astro estrangeiro. Porque um brasileiro falando inglês errado é motivo de vergonha nacional, enquanto que estrangeiro falando português errado é exemplo de simpatia.
5) O artista se enrola numa bandeira do Brasil.
6) O artista faz inúmeras piadinhas.
7) O artista faz referências a gostos brasileiros.
8) O Artista faz referência a um gosto do local do show e até arrisca alguma música local. Se um dia o Paul McCartney vier até Cuiabá, tocar no Memorial do Papa, ele só merecerá uma nota 10 se lembrar “estchou mutcho felis eim tocar na thera de Tchico Djil”. Ele pode até passar o resto do show babando sobre seu contrabaixo, que a nota 10 tá garantida.

Esse gosto brasileiro pela autoafirmação é curioso. Tão curioso quanto aquele momento, em que a banda começa a tocar os primeiros acordes e todo mundo grita como se falassem: “é essa, essa mesmo que eu queria!”. Pode ser uma música nova, nunca antes tocada, mas todos gritam. Acho que é pra demonstrar intimidade.

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