A vitória póstuma de Herbert Richers

Assim que os trailers acabaram e o leão já deu sua tradicional rugida, você já comeu metade do pacote de pipoca. O filme começa com suas tradicionais cenas aéreas, que ao pouco se aproximam de algum personagem específico. Ele diz: “Olá, Bom Dia senhor Jones”. Você se engasga com a pipoca. Está para surgir uma sensação pior do que a perceber que você está assistindo um filme dublado por engano.

Estava lá no bilhete, que o filme era dublado. Estava lá no aviso do cartaz, que a película exibida estava em sua versão brasileira Herbert Richers. Mas você não percebeu, não é culpa sua. O público médio acostumado a frequentar cinema não está acostumado com os filmes dublados. A dublagem era uma rara opção para filmes infantis, jamais para filmes considerados sérios.

Hoje não é mais assim. Os filmes dublados dominaram a grade da programação dos cinemas. Se você for até o Cine Pantanal, verá que todas as opções oferecidas são dubladas. Todas. Se você quiser apreciar um filme com seu áudio original, desista. Espere que ele saía em DVD. Ou compre um pirata. Não adiantará esperar que ele passe na TV.

Lembro que tempos atrás, eu ri quando um canal de TV por assinatura veiculou uma propaganda em que o mote era “Os maiores sucessos do cinema mundial em versões DUBLADAS”, com uma ênfase forte em “Dubladas”. A princípio, eu não entendi o sentido da propaganda. Aquilo para mim soava como “uma equipe formada por anticristos” ou ainda “servimos fezes da melhor qualidade no almoço”.

Mas, logo eu entendi. Cada vez mais canais começaram a passar os filmes dublados. Não se tratava de um suicídio comercial, mas sim de uma estratégia. Surpreenda-se você, mas hoje a classe C é quem mais assiste filmes. E 95% desta parcela da população prefere filmes dublados. Sim, este número é chocante e quando eu o vi, tive certeza de que o mundo vai mesmo acabar. Mais do que isso, o mundo merece acabar.

Quem prefere o filme dublado, prefere porque tem dificuldades em ler as legendas. E daí você pensa, para que existem campanhas de incentivo a leitura de livros, se as pessoas não conseguem ler duas linhas de letras amarelas? Não conseguem prestar atenção na cena porque tem que ler as letras amarelas.

Seja extremo
Não há um único argumento plausível para os filmes dublados. Eles acabam com o áudio do filme. Matam a interpretação dos atores. Colocam palavras como “tira”, “goma de mascar”, “filha da mãe” e “eu dormi com sua mulher”. Do que adianta Robert de Niro se transformar no touro indomável, se na hora H ele diz "filha da mãe"? E porque eles insistem em colocar uma voz ridícula no Woody Allen?

Fora que as dublagens são sempre paulistas. Porque não fazem dublagens regionais, de uma vez, para agradar os públicos locais? Al Pacino falando “oxente”, Meryl Streep interpretando Margaret Thatcher com um sotaque mineiro. Porque não? E porque os fãs de dublagens não começam a exigir músicas dubladas na rádio, para entender o conteúdo? Que tal a Adele cantando “alguém como vocêêêêêê”? Heim?

Sei que é provável que no vai e vem da reputação, daqui a alguns anos as dublagens dominem de vez o mundo. Que quem prefira os filmes legendados seja chamado de reacionário, fascista, estrangeiróide. Que alguma lei proíba a circulação de filmes legendados no país. Sorte nossa que o mundo tem tudo para acabar até o fim do ano.

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