Pioneiros da contravenção

Este blog acredita piamente na existência de pessoas que funcionam como catalisadoras para as grandes manifestações sociais. Toda essa história da Primavera Árabe não teria acontecido se alguém não tivesse gritado “vamos quebrar tudo!” em algum momento. A segunda guerra mundial não teria começado, se por algum acaso alguém resolvesse puxar um coro de “bicha!” para Hitler, em um dos seus discursos.

O caos também pode ser incitado por uma simples pessoa. Já falamos delas, aquelas que têm um apurado senso de “vai dar merda” e acabam provocando o desespero nos outros reles mortais, gritando que o prédio vai desabar, que a cantina vai explodir. Também existem pessoas que tomam atitudes aparentemente banais, porém pouco cordiais ou até mesmo fora da lei e, após seu ato de coragem, são seguidos por muitos.

Depois dele, várias pessoas resolveram
mijar no topo do Everest.
Por volta das 18h, o trânsito em qualquer cidade do Brasil pode ser considerado caótico. Aliás, considero que um lugar só pode ser considerado uma “cidade” se ele possuir trânsito caótico em pelo menos um período do dia. Enfim. No congestionamento, todas as pessoas permanecem esperando o abate bovinamente, esperando que alguma providência divina faça com que aqueles carros todos sumam do caminho.

De fato, não haveria nada para se fazer. Mas, alguém resolve buzinar. A buzina é o start de tudo. Diante daquele cidadão possuído, buzinando como se não houvesse amanhã, todos os outros motoristas percebem “é isso!” e começam a buzinar em uma interminável sinfonia. Buzinar pode ser apenas deselegante, mas o trânsito mostra outras situações em que os pioneiros da contravenção podem agir.

E se, ao invés de buzinar, o motorista resolve passar por cima do canteiro central, pegar a outra pista dirigindo cegamente em busca de uma rota alternativa? Isso acontece muito. E logo atrás dele, outras pessoas resolvem fazer o mesmo. Não sei se o fato de um carro passar por cima do canteiro central provoca aquela sensação de desespero de que “meu deus! A situação tá feia, nunca mais sairemos daqui! Só me resta passar pelo canteiro e fugir”, mas o pioneiro da contravenção logo provoca uma pequena bagunça.

No trânsito, outras ações empreendedoras no ramo de desrespeitar as leis são: passar por cima da calçada, pegar um pequeno trecho na contramão, trafegar no acostamento¹, avançar o sinal vermelho, mesmo com outros carros vindo na direção, parar em lugar proibido. Pode ver. Muitas vezes não há ninguém estacionado no lugar proibido, mas logo depois que um cidadão resolve fazer isso, uma longa fila se forma.

Os pioneiros da contravenção são aquelas pessoas que desrespeitam o aviso para não pisar na grama – criando aquela trilha no meio gramado, aquele que sobe as rampas do IL pelo vão, os que sentam no assento destinado aos portadores de necessidades, jogam a primeira sacola em um futuro lixão clandestino.

Não sei o que move o pioneiro da contravenção. Talvez seja apenas o seu instinto de sobrevivência, falando mais alto. Ou, talvez, ele realmente tenha o objetivo de levar outras pessoas para o lado negro da força. Mais do que um simples incentivador do banditismo, ele age no intuito de formar uma grande quadrilha anônima. Talvez, pensando “se todo mundo fizer isso, nada ocorrerá contra mim”.

¹Não confunda com “traficar no acostamento”.

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