Um Natal de Terror

De repente o trânsito para. Todas as pistas ficam congestionadas, o tráfego não pode fluir. Não há escapatória. Não há como se locomover. Você começa a imaginar o que é que aconteceu. Será que foi um acidente de grandes proporções? Um semáforo quebrado? Alguma passeata? O tão esperado apocalipse zumbi que fará com que em breve você tenha que descer do carro para correr no sentido oposto?

Na verdade, é uma mera entrada de Shopping Center. Naquele momento, todos os carros que estão a sua frente (e todos que estão atrás), têm um único desejo: entrar no shopping para fazer compras. Para isso, eles atravessarão faixas, trancarão o trânsito, cometerão assassinatos e deixarão de lado toda a bondade, a esperança e esses negócios que se renovam em nossa alma nessa época do ano.

Você começa a pensar no que fazer. E de fato, não há nada para fazer além de esperar. Até porque, você também pretende ir ao shopping. Talvez, a única coisa que reste fazer é esperar eternamente. Escutar todo o seu pen drive de 16 gigas e esperar pela morte. Escrever o seu testamento e torcer para que seu corpo seja encontrado naquele monte de carros.

Mas, acalme-se. Você conseguirá entrar no shopping alguma hora, muitas horas depois. Só que isso não significa o fim do drama. Você terá que encontrar uma vaga dentro daquele estacionamento. Um estacionamento gigantesco, mas que incrivelmente não tem vagas. Quando você vê um espaço vazio, pode ter certeza que é uma vaga de idoso. Outro espaço vago, mas não dá pra parar, porque o infeliz do motorista da picape do lado parou o carro torto e ocupou três vagas com um só carro.

Conheço relato de pessoas que perderam seus familiares assim. Mulheres que foram deixadas na porta do shopping por seus maridos e viram eles irem em busca de uma vaga e nunca mais voltarem. Hoje, seus rostos estão estampados em botijões de gás. Mas, físicos entendem que estacionamentos de shopping são uma passagem secreta para um mundo paralelo. Um ponto fundamental para entender a origem do universo.

Depois que você tiver conseguido parar seu carro (se isso for possível), você terá que caminhar longos quilômetros até chegar a porta de entrada do grande estabelecimento comercial. Ao seu lado, você verá pessoas com shorts curtos e tênis correndo maratonas. E, se você tiver azar, ainda poderá ser agarrado por um padre irlandês que queira tirar você da liderança.

Assim que você conseguir entrar no shopping terá que enfrentar um mar de pessoas. Crianças correndo em buscas de seus pais. Adultos, que se perderam dos seus pais no Natal de 1976 e até hoje não os encontraram e vagam pelos corredores com roupas apertadas. Pessoas tirando fotos de seus filhos chorando no colo do Papai Noel, prêmios que serão distribuídos e ocupam os corredores.

E claro, os presentes. Você vagará pelos corredores até encontrar o que queria comprar. Terá que se acotovelar, participar de alguns duelos, para conseguir o último exemplar daquele livro que você quer dar para seu avô. E enfrentar a fila.

Já presenciei alguns casos de partos que aconteceram na fila da Lojas Americanas. E os recém-nascidos saíram da loja direto para a matrícula no colégio. Gerações se revezaram na fila, a espera da oportunidade de passar aquela coleção de DVDs que estava em uma promoção imperdível que vai satisfazer em cheio os desejos e anseios do seu sorteado do amigo oculto.

Esse processo se repetirá em várias lojas. Quando você conseguir sair do shopping, às4h da manhã, estará com sua roupa rasgada, a barba por fazer e a sensação de que foi batido dentro de um Juicer Walita, logo após ser pisoteado por rinocerontes bêbados e sádicos.

O último desafio hercúleo ao qual você será submetido é o de encontrar o seu carro. Lembrar qual das 34 saídas do Shopping é a mais próxima do local em que você estacionou o seu carro. E se você o estacionou no setor A ou B ou C ou D ou E ou F ou G do setor amarelo ou vermelho ou azul ou verde do primeiro, do segundo ou do terceiro andar do bloco 1 ou do bloco 2.

Provavelmente, seu carro será o último que ainda estará lá estacionado. A tsunami humana de poucas horas antes será substituída por um vazio desértico de pessoas. Seu carro estará lá abandonado. E todos nós sabemos que um estacionamento deserto é uma cena para assassinatos. Com certeza, algum homicida, serial killer, ser sobrenatural estará te esperando. Pelo menos, no mínimo, seu carro explodirá e as imagens do circuito interno vão desaparecer.

E ai, finalmente, você chegará em casa, a tempo de tomar banho e voltar para o trabalho. E, é nesse momento que você lembrará que esqueceu de comprar aquele presente para o seu pai.

Comentários