Profissionais de folga

Um médico é uma figura estranha, diria que transcendental. Em nossa cabeça, imaginamos que os médicos trabalham 24 horas por dia. Que enquanto você dorme, ele está lá abrindo a barriga de algum convalescente. Que enquanto você dorme, ele está de plantão receitando analgésicos para alguém. Que enquanto você está esperando a consulta, ele está... bem, consultando as pessoas que chegaram antes que você e como demora porque você já está esperando há duas horas.

Quando encontramos um médico que não está em serviço, que está em horário de folga, parecemos não acreditar. Diante daquele cidadão de bermuda e camisa pólo, acreditamos que ele ainda está trabalhando, ainda o vemos com o jaleco branco. Então, na mesa do bar, resolvemos consultar o doutor.
- Ah, você é médico! Sabe que eu tenho uma dor no joelho, que todo dia quando eu acordo de manhã eu mal saio da cama. Depois de um tempo passa, mas se eu volto a ficar parado, dói de novo. O que será que é?
- Olha, você vai morrer.

Não nos importamos em saber a especialidade do médico, se ele é psiquiatra, geriatra, urologista, oftalmologista, cardiologista ou oncologista. Queremos um diagnóstico rápido e preciso na mesa do bar. Parece uma ótima oportunidade de resolver a sua vida sem gastar um tostão sequer. Aquela dorzinha chata que você acha que não vale a pena ir ao médico para resolver.

Pior ainda, é quando o caso é de outra pessoa.
- Sabe, minha avó, ela fica gripada facilmente. E sempre que ela fica gripada, ela soluça muito. Será que é grave?
- Sim, ela vai morrer.

Outra pessoa que sofre com isso são os técnicos de informática. Pode dizer, você tem algum amigo com alguma formação em computação e sempre pergunta para ele qual é o problema do seu computador. Nem que essa formação seja um curso de digitação da Datacontrol.
- Cara, quando eu abro o Real Player, meu computador trava, desliga sozinho, o que será que é?
- Bem, ele quebrou.

Pior, é que o cidadão é formado em ciências da computação. Passou boa parte da sua vida estudando matemática pura e bruta. Mesmo assim, você não pedira palpites apenas sobre computadores. Pedirá para ele controlar sua calculadora, seu relógio, seu videocassete, seu toca vinil, sua pulseirinha do equilíbrio. Como se ele fosse um técnico reparador de tudo.

Imaginem se fosse assim com outras profissões? Como com os jornalistas?
- Ah, legal, jornalista. Pô, você podia... ahn, o que o jornalista faz? Você podia me dar boa noite.

Bem, esse é um sinal dos tempos. Os dois maiores problemas que sofremos atualmente estão no nosso corpo e nas nossas máquinas. Sempre precisamos resolver algum problema com elas.

No máximo, quem também sofre com isso são os artistas. Quando alguém desenha, compõe, escreve, as pessoas logo pensam que ele fará isso a qualquer momento. Imagino alguém encontrando van Gogh no bar e dizendo:
- Pô, faz um quadro aí pra mim.

Na sequência, ele cortou a orelha.

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