Um dia sem tecnologia

Por algum motivo, não sei dizer que motivo é esse – estou desinformado, vários meios de comunicações reproduziram matérias sobre o vício na internet. Os produtores encontraram diversos personagens, aquelas pessoas que faltam no aniversário da mãe para participar de um chat, que rejeitam experiências sexuais com panicats para administrar sua fazenda virtual, que deixam de se alimentar para catalogar o redtube.

Estas pessoas foram desafiadas. As televisões retiraram suas luvas e deram um tapa na cara deles. “Você consegue ficar 24 horas sem ter acesso a tecnologia?”, perguntaram. Várias pessoas aceitaram a proposta com um ar de desdém. Depois, seus relatos mencionam ataques epiléticos, momentos de contorção com falta do Twitter. Vários se jogaram contra as paredes em busca de um mínimo contato visual com um celular.

Nós aqui do CH3 também resolvemos passar por essa experiência. Tudo em nome do bom jornalismo e do compromisso com os nossos leitores. Só que nosso desafio é mais extremo, porque facilidade é coisa de viadinho. Pegamos um conceito mais abrangente de tecnologia. Levantamos um referencial teórico sobre o assunto. Lemos Marx, Habermas, Focault, Guattari, Deleuze e José Sarney, montamos um projeto, protocolamo-lo em um RH aleatório, junto com cinco tampas de margarina e uma resposta boa para uma pergunta aparentemente simples.

O desafio começou a meia noite. Horário no qual eu já estava dormindo. Pensei que poderia ser difícil acordar de manhã cedo, pela ausência de um despertador. Engano meu. Acordei às quatro da manhã, com calor e sendo devorado pelos mosquitos. Sim, a luz elétrica não deixava de ser uma tecnologia.

Sai para ir ao trabalho. Eu não poderia pegar meu carro nem nenhuma forma de transporte motorizado. Para piorar, tive que pular o muro da minha casa, porque não poderia utilizar uma chave. Em três horas eu consegui chegar até o meu trabalho. Isso porque consegui montar um cavalo durante um quilômetro. Nunca mais reclamo da meia hora que levo usualmente.

Cheguei no trabalho quase na hora do almoço. Ou, no meu ex-trabalho. Afinal, eu havia sido demitido. Tentei argumentar que este era um desafio ao qual eu estava me propondo. Qualquer justificativa caiu por terra quando ele me perguntou porque eu estava nu. Foi só aí que eu percebi isso. E só aí que eu entendi porque pessoas gritavam quando me viam, porque tentaram me linchar algumas vezes e porque eu precisei fugir da polícia.

Era hora de almoçar. Precisava arrumar alguma coisa para comer. Procurei algum bosque onde eu poderia caçar algum animal com minhas próprias mãos. E digo “mãos” mesmo. Nada de lanças, flechas, redes ou similares. Claro, não consegui nada. Claro, morri de fome. Ou não, só consegui comer algumas mangas caídas pelo chão.

Foi então que eu desisti dessa merda. Assumi o meu fracasso e mandei todo mundo se foder. Roubei a roupa de um mendigo que pegava carona, peguei um taxi e liguei o computador. Vejo por aí, um monte de pessoas cheias de fezes na bunda falando que suas experiências foram reveladoras e transcendentais. “Ai, fiquei 24 horas sem usar a internet”. Grandes Coisas!

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