Atalhos

Se há alguma coisa da qual um ser humano se orgulha, esta coisa é conhecer atalhos. E aqui não falo sobre as melhores maneiras para se burlar a lei. Bem, até reconheço que as pessoas também se orgulham disso, mas não é sobre isso que eu falo. Falo mesmo dos atalhos físicos, dos melhores caminhos para se chegar ao lugar x, partindo do lugar Y, onde você está.

(parentese dejavú. Tenho a impressão de que já comecei pelo menos uns 30 textos do CH3 desta maneira "se há algo, este algo é isso. E não aquilo, mas isto. Sim, pode ser aquilo, mas é isto. E isto é isto")

Pessoas são capazes de discutir horas e horas sobre os melhores caminhos, os mais rápidos, os menos convencionais. Falam com propriedade sobre vielas, becos, trilhas e ruas sem carros. De tal maneira que quem é adepto de um caminho simples, uma linha reta, congestionada, mas reta, acaba por se sentir um loser. Um fracasso da humanidade.

Esses dias, por exemplo, eu estava na rua do Córrego do Barbado e precisava ir até o shopping. Só há um caminho para fazer isso. Aliás, existem 700 mil caminhos, incluindo um no qual você vai Ushuaia e volta, mas apenas um caminho lógico. Segue a rua até o final, passa por dois semáforos, faz o contorno, entra na rua do shopping. Sim, é congestionado. Você até imagina que se um atalhista te vê ali, ele te julgará um retardado.
- Não cara, pegar a rua do Córrego é furada. Você devia vir por trás.
- Mas eu estava numa loja lá.
- Pô, então você devia ter vindo por dentro do Jardim Tropical, parava o carro na rua de trás e ia a pé. Poupava um tempão na volta.

Quando dois atalhistas se juntam em uma discussão sobre melhor caminho, eles podem partir até para a discussão física.
- Então, ai ao invés de pegar pela Avenida do CPA, eu vou pela Morada do Ouro.
- Ah, mas chega lá, você pega aquele congestionamento naquela rotatória. Sabe o que você faz? Pega aquela entrada de terra antes, tem o espaço certinho pra passar o carro entre o arame farpado. Você segue reto, é uns 10 quilômetros de terra. Você já saí lá na frente no Jardim Itália.
- É, mas ali, vez por outra, na hora de descer o barranquinho pra voltar pra pista, você encontra um carro na contramão. Ai você faz sabe o que? Segue mais um pouco a esquerda, cruza um riacho, agora tá seco, dá pra passar tranquilo, você saí lá na estrada de Acorizal já. E aí é tranquilo.
- Mas as vezes, você acaba pegando uma moto no caminho... e sabe como moto é foda né. Ai, ao invés de vir reto, você vê se aquela casa tá com o portão aberto. Ai você corta caminho por dentro da casa do cara. É só passar com cuidado pra não arrancar a roupa do varal dele.
- Quando eu to de moto, eu passo por dentro da cozinha. Uma vez quase atropelei o cachorro dele. Ai, se você aproveitar, você já passa pela cerca e vai no vizinho. Você corta um puta caminho, já saí lá em Brejinho.
- Pô, mas aí ao invês de vir pela estrada, corta pra dentro, e vem por cima do mato. Cuidado só pra não atropelar as capivaras.
- Ah, isso aí é burrice cara. Compensa muito mais vir pela estrada e pegar aquele desvio em Porto de Fora.
- Nada, no meu caminho é bem mais rápido. Nesse seu, uma vez eu já vi uma bicicleta na estrada. Perdi muito tempo. No meu caminho eu demoro só 4 horas só pra chegar em casa.
- Então, no meu nem chega a isso. Saio daqui 6 e pouquinho... antes das 10 eu to em casa.
- É. Mas, de qualquer forma é melhor do que pegar esse trânsito absurdo. Esses dias meu filho veio me pegar, pegou o caminho aqui da Miguel Sutil. Demorou 50 minutos, nesse monte de carro... Não dá... Falei pra ele "você tem que aprender a sair desses congestionamentos pra ir mais rápido".

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