Marcha do Churrasco

Aproveitando texto que escrevi para o Diário de Cuiabá.

A França me traz péssimas lembranças futebolísticas. Assistir Zidane subindo livre para cabecear duas vezes, em 1998, foi traumatizante demais para um garoto de 11 anos. Mas, anos depois eu passei a gostar de ver as partidas da França em Copas do Mundo. Eu gostava do hino francês, a Marselhesa. Seu verso “Marchemos, marchemos, nossa terra se saciará de sangue impuro”, cantado visceralmente.

A palavra e o ato de marchar sempre foram relacionados aos militares. Aqueles com cabeça de papel que iriam para o quartel. Ainda me lembro da marcha fúnebre e da marcha nupcial. Ou ainda, a marcha imperial para os fãs de Star Wars. Em um péssimo trocadilho, poderia citar as marchas do automóvel.

Foram outros tempos. Agora somos atacados diariamente pela palavra “marcha”. Ela está disseminada na internet, na imprensa. Marchar virou uma forma de protesto, de reivindicação. Não sei dizer como a moda começou. Talvez tenha sido a Marcha da Maconha, transformada em Marcha da Liberdade de Expressão, vítima da Marcha do Politicamente Correto. Ainda vimos a Marcha com Jesus no Coração (ou algo assim), Marcha dos Solteiros e a Marcha das Vadias. Marcha das Vadias?

Eis algo que é difícil de entender, algo que é ótimo para visões estereotipadas. Vi jornais dizendo que era uma marcha pelo direito das mulheres se vestirem como vadias (?) e até mesmo, que era uma marcha que defendia a vadiagem (??).

Na verdade, este protesto surgiu pelo direito das mulheres se vestirem do jeito que elas quiserem. Tudo por conta de uma palestra de um policial em uma universidade de Toronto, no Canadá, que disse que as mulheres deviam “evitar se vestir como vadias para não serem estupradas”. Entendeu a lógica?

É claro que a invasão de marchas viraria motivo para piada. Tudo o que é feito em excesso logo perde seu sentido original. As marchas já foram ridicularizadas nas redes sociais da internet. No Facebook, começaram a divulgar a “Marcha da Lambada”. Sim, lambada, a dança proibida daquele histórico filme da Sessão da Tarde. Também surgiu a “Marcha dos Bons Drink” (com o plural errado mesmo). Acredito que surgiu até a Marcha pelo Direito de Marchar Simples e Livremente sem pressões políticas. A Marcha pela Marcha.

Imagino que as marchas tendem a perder espaço. Já emerge em nossa sociedade uma nova e revolucionária forma de protesto. Trata-se do churrasco. Um evento que tem apelo junto a manifestantes e mídia. Começou com a gente diferenciada de Higienópolis e chegou a Cuiabá.

O churrasco talvez seja capaz de integrar a sociedade de uma maneira melhor. Um evento que mistura carne, cerveja, piscina, mulheres, futebol na televisão. O sal grosso poderá mobilizar a opinião pública. A picanha mal passada vai derrubar governos. Todo aquele sangue impuro irá saciar a nossa terra.

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