Morte Anunciada

Os perfis sobre a vida de José Alencar já estão prontos há algum tempo. Sua vida, seus feitos, sua obra. Não, não falo do escritor, autor de clássicos da literatura como O Guarani, Iracema, a Viuvinha. Ele também tem dezenas de estudos relacionados sobre sua pessoa e provável que um par de livros com sua biografia. Falo mesmo do ex-vice-presidente do Brasil, que ainda está vivo enquanto esse post é publicado.

Os seus problemas de saúde são conhecidos. Dezenas de cirurgias, anos convivendo com um câncer e incontáveis internações no hospital Sírio-Libanês de São Paulo. Tantas internações que, caso entrar no hospital contasse milhagens, Alencar já poderia ter dado a volta ao mundo quatro vezes.

Já até deixou de ser notícia o fato de que Alencar é internado no hospital, ainda mais agora que ele se transformou em ex-vice-presidente. Mas o fato é que o seu perfil, sua nota fúnebre já está pronta há alguns meses, quiçá anos. Dizendo o que ele fez de bom, sua trajetória e sua luta contra a doença. Só falta completar com a data e o local. Jornalista nenhum negará isso. É provável que no final do ano passado, algumas revistas tenham sido diagramadas com a nota, depois que os médicos chegaram a preparar as pessoas para a notícia.

É um caso curioso quando alguém tem uma morte anunciada. Que está claramente num estágio irreversível de sua doença e que logo morrerá. Jornalistas fazem plantão na porta do hospital para trazer as notícias, fazer entradas ao vivo nos telejornais. E o mórbido da situação é que a notícia esperada é a morte. Talvez seja um exagero dizer isso, mas se espera que o cidadão morra para poder dar a notícia.

Ninguém vai para um hospital onde um doente terminal está internado, para noticiar que ele se recuperou. A expectativa é que a pessoa morra, para furar os colegas, captar o choro e a comoção dos familiares. Mas não dá para marcar hora com a morte.

Enquanto o Papa João Paulo II agonizava em 2005, William Bonner foi até o Vaticano para cobrir a morte. Aquela situação chata, o papa aparecia cada vez menos e suas aparições pareciam mecanizadas. Mas ele não morria. Bonner deve ter ficado umas duas semanas apresentando o jornal da Praça São Pedro. Fez matérias sobre as pessoas, sobre as ruas. Sobre a Itália inteira, porque o papa não morria.

Em certo momento, ele chegou a falar algo como “a expectativa é de que o papa morra nessa madrugada”. Uma expectativa difícil de ser mensurada. Nas transmissões de Fórmula 1, Galvão Bueno dizia “a expectativa sobre a saúde do Santo Papa, João Paulo II, que pode falecer a qualquer momento”. Só faltou instalarem câmeras dentro do santo quarto.

É uma situação estranha. Quando a morte de alguém é anunciada, ninguém consegue tirar do canal. Mesmo que as imagens mostrem apenas cenas da janela do hospital onde o paciente estava internado. Que o apresentador não fale nada, apenas coisas como “Taí. O falecimento de Alfredo. Ator, poeta, escritor. Nossos sentimentos aos familiares” com uma voz grave.

Melhor (Melhor?) ainda se o fato que proporcionou a morte puder ser transmitido. Em 2009, o piloto Felipe Massa foi atingido por uma mola na cabeça (uma prova de que aqueles que ficam atrás de Rubens Barrichello são punidos). Um helicóptero o levou ao hospital, enquanto Galvão Bueno dizia algo como “vai helicóptero que leva o nosso Felipe. Esperamos que logo você o traga de volta”. Os jornais davam entradas a cada 10 minutos mostrando o hospital. Os médicos diziam “olha, boletim médico daqui a 2 horas, mas já avisamos que só poderemos falar sobre seqüelas e danos daqui a 24 horas”. Mesmo assim, as entradas não paravam. Sempre falando a mesma coisa. Ninguém quer perder a oportunidade de anunciar a morte de alguém em primeira mão.

Algo muito mais difícil nos tempos do Twitter.

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