Baladeiros Anônimos

O CH3 recebeu esse emocionante depoimento por e-mail, e repassa para vocês.

“Olá. Meu nome é Carlos. Ou pelo menos, é assim que eu quero ser chamado nesse meu novo recomeço. Porque nos últimos anos, eu não sabia mais quem eu era. Eu era alguém viciado em baladas. Perdi dinheiro, perdi família. Amigos não, esses eu fiz, muitos. Tanto que eu não sei o nome de cinco deles.

Tudo começou quando eu tinha 17 anos. Eu não podia freqüentar boates, mas com a ajuda de um primo de um amigo meu, consegui fazer uma identidade falsa. Era sempre uma adrenalina, a possibilidade de ser barrado. Mas eu nunca era. No começo era assim. Uma vez por mês, quando pintava uma carona. Até que eu fiz 18 anos, consegui tirar minha carteira. E a partir daí minha vida virou um turbilhão.

Todo sábado eu estava em alguma boate. Depois comecei a estender para as noites de sexta-feira. Depois as quintas. As quartas, terças. Descobri até os lugares que ficavam abertos nas segundas. Eu não dormia mais direito, mas isso não importava. Eu achava aquilo tudo legal e natural.

Fiz dezenas, centenas de amigos. Tive que abrir até uma segunda conta no Orkut, quando atingi o limite de mil amigos. Fiquei amigo de todos os garçons. Conseguia drinks de graça, as vezes entrava de graça. Não pegava mais filas. Quando por algum contratempo, uma gripe, eu não podia ir, meu telefone não parava de tocar. E ah, como tocava. De vez em quando era uma confusão, porque quando começava a tocar I Gotta Feeling, podia ser o meu celular ou o de qualquer amigo. Como era divertido. Desenvolvi uma grande capacidade de comunicação corporal e leitura labial. Já que é impossível escutar alguém dentro de uma boate.

Acompanhei o nascimento e a morte de todas as casas noturnas da cidade. Digo até que uma solitária lágrima escorreu do meu olho esquerdo quando o Café Cancun fechou. Mas sabia que a vida não terminava aí.

Mas, começaram os problemas. Eu gastava muito dinheiro. Tanto dinheiro, que o meu salário começou a ser depositado direto na conta de uma boate, para cobrir meus gastos. Fiquei sem dinheiro e fui expulso de casa. Passei a dormir na casa dos meus amigos. Eram tantos, que ao longo de um ano, não dormi na mesma casa duas vezes.

Começaram a vir os problemas de saúde. Desde os meus 18 anos, a batida eletrônica não saia da minha cabeça em nenhum momento. Só percebia que a música tocava do lado de fora por conta da vibração do subwoofer. Percebi então que estava só dentro da minha cabeça, porque eu fiquei surdo. Foi o resultado de Anos de exposição a tsunamis sonoras. Como eu era acostumado a me comunicar por sinais, não fez tanta diferença.

Um dia alguém me mostrou uma animação em stop motion. Não percebi qual era a graça daquilo. Descobri que os anos enxergando lugares sob os efeitos de um estroboscópio alteraram minha visão. Não me lembro de como é a vida em que uma luz não fica piscando intermitentemente. Nem sinto mais como é ser esbarrado por alguém. De tanto me locomover esbarrando nas pessoas, um dia levei uma facada nas costas e não percebi.

Mas meu mundo começou a cair. Não tinha mais dinheiro, os novos garçons não eram meus amigos, e comecei a perder meus amigos antigos, porque eles não gostavam de pessoas decadentes. Perdi seguidores no Twitter. Aceitei trabalhar de graça numa boate, como segurança. Fui demitido. Estava trabalhando como flanelinha na porta da boate. Via aqueles que foram meus amigos virando o rosto para não me olhar. Mas mesmo assim eu gosto da minha vida, gosto de ver aquela fila, de escutar a música... digo, a música já está dentro de mim mesmo.

E é por isso que, foi difícil admitir, eu preciso da ajuda de vocês. Fui recolhido para uma casa de indigentes. E quero voltar para as boates. Nem que seja para limpar as privadas. Eu preciso estar lá dentro. Preciso dessa chance de retomar minha vida. Repasse para todos os seus contatos”
.

Que fique o exemplo.

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